Descontentes com os rumos da Nação, milhões de brasileiros de todos os quadrantes se congregaram para protestar, de forma ordeira e pacífica, revelando apreciáveis qualidades de alma do nosso povo
“Esta manifestação está muito esquisita: as pessoas esbarram na gente e pedem desculpa!”
Assim resumiu um dos manifestantes o clima de cordialidade reinante na Av. Paulista, em São Paulo, onde mais de um milhão de brasileiros, de todas as classes sociais e de todas as idades, protestaram contra a situação do País.
Nenhum incidente grave foi reportado. A própria Polícia Militar, habituada a enfrentar provocações em protestos anteriores, foi recebida com aplausos. Os manifestantes, até mesmo crianças, pediam para tirar fotos ao lado do Batalhão de Choque. O mesmo se repetiu pelo Brasil afora.
Era algo novo, surpreendente, mas não propriamente inesperado. O descontentamento com os rumos do País estava muito vivo nas ruas e era percebido na Internet e em conversas entre amigos ou mesmo entre desconhecidos.
A enorme quantidade de medidas pretensamente “populares”, adotadas ou ampliadas pelo Governo em apoio aos chamados “movimentos sociais”, de fato impopulares, gerou numerosos desagrados, primeiramente em setores específicos da opinião pública brasileira. Não demorou a que esses desagrados se transformassem em uma desconfiança e esta, por sua vez, em um grande descontentamento generalizado.
Consideradas em si mesmas, cada uma dessas iniciativas governamentais não teria capacidade para gerar a reação vista no último dia 15 de março. Entretanto, o conjunto delas forma a imagem de um Brasil diverso — até mesmo antagônico — ao sentir do brasileiro comum.
Descontentamento análogo ao que Plinio Corrêa de Oliveira já denunciara como reinante atrás da Cortina de Ferro, mediante documento previdente, publicado em fevereiro de 1990, antes do desabamento final do império soviético em 1991.(1)
A oficialização paulatina da prática de aborto nos Hospitais Públicos; as leis que procuram regular a vida familiar a ponto de impedir até mesmo palmadas corretivas nos filhos; a imposição da chamada “ideologia do gênero” nos colégios, censurando livros didáticos que não se alinhem aos novos “valores”; a tentativa reiterada de criminalizar quem não aceita o homossexualismo, acusando-o de “homofobia”; o desejo de controlar os meios de comunicação; a cumplicidade para com invasões de terras e prédios; o desrespeito ao Direito de Propriedade através da Reforma Agrária, Quilombolas e Reservas Indígenas; a conceituação subjetiva de “trabalho escravo” com a consequente expropriação de terras; a perseguição à iniciativa privada com leis e impostos cada vez mais escorchantes e burocráticos; a implantação de uma política racial “afirmativa” que cria uma verdadeira luta de raças em território nacional; a estranha amizade com regimes ditatoriais como Cuba, Venezuela e Irã; a proposta de banir símbolos religiosos das Repartições Públicas… etc.
Soma-se a isso a percepção de que o governo atual é responsável não apenas pelos maiores escândalos de corrupção do País, mas também por ter “aparelhado” a máquina do Estado em benefício de um partido político.
O descrédito das instituições republicanas chegou a um auge jamais visto.
Há certos fenômenos de opinião pública que se assemelham ao estouro de uma garrafa de champanhe. A aparência de tranquilidade da garrafa em repouso esconde a pressão nela contida. No momento da abertura, aquela pressão é liberada. Assim também ocorre entre os homens. Quando o primeiro diz o que todos pensam em silêncio, a opinião contida, a exemplo da pressão dentro do champanhe, cede lugar a uma explosão de consonâncias.
No último dia 15 de março, o Brasil assistiu a uma dessas grandes consonâncias entre pessoas das mais variadas origens e condições. Não era o Brasil retratado pela grande mídia ou pelos sociólogos e analistas políticos de índole mais ou menos esquerdista, mas um Brasil profundo, verdadeiro, ordeiro e pacato, fazendo ouvir sua voz em um mesmo tom e ao mesmo tempo.
Já em 1982 Plinio Corrêa de Oliveira escrevia para a “Folha de S. Paulo” o artigo Cuidado com os pacatos. Dizia ele: “Se a esquerda for açodada na efetivação das reivindicações ‘populares’ e niveladoras […]; se se mostrar abespinhada e ácida ao receber as críticas da oposição; se for persecutória […], o Brasil se sentirá frustrado na sua apetência de um regime ‘bon enfant’ de uma vida distendida e despreocupada. Num primeiro momento, distanciar-se-á então da esquerda. Depois ficará ressentido. E, por fim, furioso. A esquerda terá perdido a partida da popularidade.”(2)
Pouco depois, em 1987, ao analisar o projeto da nova Constituição do Brasil, o mesmo autor advertia para a ruptura que estava se produzindo entre a Nação e o Estado. Para ele, se os políticos continuassem a desrespeitar esse sentimento majoritariamente conservador do brasileiro, “o divórcio entre o País legal e o País real será inevitável. Criar-se-á então uma daquelas situações históricas dramáticas, nas quais a massa da Nação sai de dentro do Estado, e o Estado vive (se é que para ele isto é viver) vazio de conteúdo autenticamente nacional”.(3)
“Que diferença de público entre a sexta-feira e o domingo. São dois países diferentes. O primeiro era triste, raivoso, invejoso, igualitário… No domingo, um Brasil cheio de luz, alegre, leve, calmo, sereno, ordeiro, pacífico, disciplinado, mas firme, reativo, indignado contra a corrupção e contra o PT. São dois mundos, filhos de duas mentalidades diversas”.
Com estas palavras, uma pessoa resumiu na Internet as diferenças entre a manifestação dos chamados “movimentos sociais”, realizada dois dias antes, em 13 de março, e o evento de domingo.
No dia 15, o ambiente era sereno, tranquilo, alegre. O Brasil autêntico emergiu com as características que lhe são peculiares: delicadeza de trato, calma, serenidade, rejeição à desordem. Havia grande número de famílias que compareceram: adultos, crianças e idosos. A grande maioria portando símbolos nacionais.
Sadio patriotismo foi uma das notas predominantes, tendo as camisas verdes e amarelas sido usadas em abundância. Bandeiras do Brasil tremulavam em todos os cantos e faixas repetiam a frase: “Nossa bandeira jamais será vermelha”, em alusão às bandeiras vermelhas dos partidos socialistas, incluindo as utilizadas pelo MST dois dias antes.
Além do Hino Nacional, um dos trechos do Hino da Independência era muito repetido pelos participantes: “Ou ficar a Pátria livre ou morrer pelo Brasil”.
O mesmo entusiasmo se verificou nas estações de metrô de São Paulo, que ficaram praticamente intransitáveis. Era tal o fluxo de pessoas que duas das estações, próximas ao local de encontro dos manifestantes, precisaram ser interditadas. A Polícia Militar calculou que quatro mil pessoas chegavam, a cada dois minutos, nessas estações.
Esse fluxo contínuo de participantes lotou não apenas a Av. Paulista, palco da maior das manifestações, mas também diversas ruas adjacentes. Segundo pessoas que lá estiveram, algumas das quais experientes em calcular o tamanho de uma multidão, jamais ocorreu manifestação como essa em nossa história recente.
Estimativas iniciais avaliam o número de participantes entre dois e cinco milhões, em mais de 200 cidades pelo Brasil e, ao menos, em 23 das 27 unidades federativas.
Isso significa não apenas que essa manifestação foi a maior numericamente, mas também a maior em termo de extensão do território nacional.
Todavia, mais do que o número dos participantes ou a extensão abrangida, impressionava o público, a sua qualidade. Não era o Brasil da baderna, mas era o Brasil das pessoas de bem.
Os membros da Ação Jovem do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira também estiveram presentes e foram entrevistados por vários jornais, entre eles “El País”, “The New York Times” e “O Estado de S. Paulo”.
Muitas pessoas já conheciam o Instituto pelas suas campanhas recentes e vários outras se recordavam que Plinio Corrêa de Oliveira foi o fundador da TFP, entidade mundialmente célebre por sua luta anticomunista.
Em Brasília, a concentração começou com o Pai-Nosso, entoado a partir de um dos carros de som. Em outras cidades, imagens de Nossa Senhora Aparecida eram portadas por alguns dos manifestantes. A religiosidade do brasileiro estava presente.
A imagem de um Brasil profundo, fiel a si mesmo e ardoroso defensor de suas gloriosas tradições cristãs — arraigadas desde a primeira Missa após o Descobrimento —, de seus símbolos e de suas cores, emerge nessas manifestações. Um País onde a tônica não é a inveja ou o ódio de classes, mas a benevolência cristã, a serenidade, a um só tempo cordial e firme.
Que esse dia 15 de março não seja apenas a data de um grande evento, mas sim o dia no qual a identidade de nosso País, de mentalidade marcadamente católica, faça resplandecer ainda mais intensamente o Cruzeiro do Sul, bem como a proteção da Virgem Maria, a Senhora Aparecida, Rainha e Padroeira do Brasil.
E-mail para o autor: catolicismo@terra.com.br
________________
Notas:
_________
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 772, Abril/2015
www.catolicismo.com.br
catolicismo@terra.com.br
Frederico R. de Abranches Viotti
164 artigosBacharel em Direito e em Ciência Política e pesquisador na área da História da Igreja e de apologética católica. Escreveu um importante estudo sobre a New Age ou Nova Era, que serve de alerta aos católicos.
Seja o primeiro a comentar!
Seja o primeiro a comentar!