Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
5 min — há 5 anos — Atualizado em: 3/17/2020, 5:53:43 PM
À meia-noite do dia 31 de janeiro, reunida diante de Westminster, a população britânica entoou em uníssono o hino “Deus salve a rainha”. Desafiando o frio e a garoa, exultava de alegria porque, afinal, a Grã-Bretanha havia abandonado a União Europeia (UE), três anos e meio após o referendo em que a maioria dos britânicos preferiu o Brexit, ou seja, a retirada. Após três adiamentos e uma infinidade de manobras políticas, era o primeiro país-membro a deixar o bloco europeu, desde sua criação em 1958.
Numa atmosfera típicade réveillon, cercados por centenasde milhares de bandeiras pátrias, os felizes britânicos erguiam cartazes com osdizeres “dia da independência” e “nosso país de volta”. As coresnacionais iluminavam residências simbólicas como a do primeiro-ministro, no nº10 da Downing Street. “A guerra acabou:ganhamos”, repetia Nigel Farage, o político que batalhou durante mais de 20anos pelo Brexit.
Nesse mesmo momento,com ar fúnebre, arriava-se a Union Jack nas sedes da União Europeia emBruxelas e Estrasburgo. Alegria popular de um lado, acabrunhada dos burocratas comunitáriosdo outro. Com o seu entusiasmo pelas nações que constituíram a Cristandade nosséculos de Fé, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira provavelmente se associaria àsalegrias do outro lado da Mancha. Por ocasião de sua viagem à Europa em 1950,para contatos com representantes desse glorioso passado, ele teve um horrívelchoque com o que lhe confidenciou um nobre ligado a elevados eclesiásticos epríncipes reais, durante um almoço no Automóvel Clube de Paris:
“A Europa não caminha para uma dilaceração, mas parauma síntese. Está sendo preparada uma Europa Unida, que deverá absorver todosos países; e no interior de cada país, todas as facções. Haverá um parlamento eum governo europeus, que farão desaparecer as diversidades nacionais. Serão eliminadasas fronteiras, e a Europa terá um só mercado consumidor, uma só indústria e umsó comércio geral […]. Compor-se-ão desde o Partido Comunista até ascorrentes monarquistas mais intransigentes […]. As Casas Imperiais e Reais ea antiga nobreza vão mandar seus deputados para o Parlamento de Estrasburgo.Sentado ao lado do arquiduque Otto de Habsburgo estará o presidente de umsindicato. A Europa inteira, desde a sua mais antiga tradição carolíngia até amais moderna extrema esquerda, caminhará no mesmo rumo”.[i]
Nessa viagem detrês meses, Dr. Plinio ouviu a repetição dessa mesma palavra de ordem,anunciando que tudo estava sendo planejado para pulverizar as últimas ruínas daCristandade. Mas não perdeu a esperança, nem mesmo quando a análise metódica donoticiário confirmava o plano que estava sendo implacavelmente urdido.
Em 1988, ano de suaúltima viagem à Europa, ele colheu impressões opostas sobre o que entãoacontecia, e designou uma comissão para estudar as mudanças. Constatou que aUnião Europeia se arriscava ao insucesso, pois não havia conseguido convencer oseuropeus, mas apenas acostumá-los às benesses com que os inundava. Afirmava eleque um imprevisto poderia derrubar o plano, e deu um exemplo: “Uma nação de dimensões pequenas mas degrande cultura, como a Dinamarca, pode recusar a UE e encrencar tudo. É a famosametáfora do carro de boi puxado por muitas juntas. De repente um boi se deitana estrada, e tudo para”.[ii]
Com efeito, em 2de junho de 1992 a Dinamarca repeliu em referendo o Tratado fundacional deMaastricht, dando início a uma longa série de recusas plebiscitárias —deturpadas,aliás, por ardilosas manobras da UE —, até que em 12-12-2019 o Brexit foi ratificado por cômoda maioria,não deixando margem a dúvida.
“Amo a Europa, mas detesto a União Europeia. Elesquerem nos controlar, fazer nossas leis, pegar nosso dinheiro”, disse Julie,educadora de Yorkshire, na festa do Brexit.
“Agora poderemos fazer o que quisermos, quandoquisermos, porque todas as leis e regulamentações serão feitas aqui em Londres,e não na Europa”,comemorou Kevin Russell, de Milton Keynes.
Nigel Farage,líder do Brexit, falou da saída como “a coisa mais importante desde que HenriqueVIII nos tirou da Igreja de Roma”. E vaticinou “uma batalha histórica” de nações como a Dinamarca, a Polônia ou a Itália,para deixar a UE.[iii]
Nasua despedida do Parlamento Europeu, os deputados britânicos desabafaramabruptamente os ressentimentos acumulados. Nigel Farage repreendeu a presidenteda sessão, Mairead McGuinness: “Vi aConstituição ser rejeitada pelos franceses em referendo. Eu a vi ser rejeitadapelos holandeses em outro referendo. Vi os senhores ignorá-los e trazer aHolanda de volta com o Tratado de Lisboa.[iv] […] Osbritânicos são grandes demais para se intimidar, […] não precisamos de umaComissão Europeia nem de um Tribunal Europeu. […] A União Europeia é umprojeto ruim, antidemocrático e inaceitável. Eu sei que os senhores querembanir nossas bandeiras nacionais, mas vamos dizer adeus”. Nesse momento, os deputados favoráveis ao Brexit presentes no Parlamento fizeram tremulara bandeira britânica, exclamando Goodbye!A presidente da sessão, em estilo “soviete supremo”, cortou-lhes o som e bradou:“Guardem suas bandeiras e levem-nasembora!”. Os britânicos partiram alegres, enquanto alguns europeístaschoravam.[v]
Extenuantesnegociações devem logo ter início, para separar os bens nacionais doscomunitários. Nessas disputas deve patentear-se a decadência da UE, similar àque Dr. Plinio assinalava sobre a decadência da Revolução iniciada com Luteroem 1517: “Ela perdeu a partida, dando umpasso muito maior que suas pernas”. O açodamento acarretará imprudências revolucionárias,como as que desfecharam no Brexit.Por isso a humanidade irá se aproximando da situação final do filho pródigo: “Quando chegou às bolotas dos porcos, aíele se lembrou da casa do pai”.[vi]
Na presente crise,os britânicos do Brexit e seussímiles tornar-se-ão cada vez mais saudosos da Cristandade que brilhou na IdadeMédia, deixando um legado de tradições, monumentos e instituições que ninguémpode extinguir. É oportuno lembrar que uma dezena de franceses divulgourecentemente o movimento Frexit.[vii]
[i]) Extraído de Plinio Corrêa de Oliveira, Minha vida pública, Artpress, 2015, 827págs., p. 394.
[ii]) Apontamentos de 27-12-1989.
[iii]) TSF Rádio Notícias, 29-1-2020.
[iv]) Cfr. Catolicismo,julho/2008: “Irlanda: NÃO ao Tratado de Lisboa”.
[v]) BBC News, 30-1-2020.
[vi]) Apontamentos de 27-12-1989.
[vii]) Folha de S. Paulo, 31-01-2020.
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