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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Desigualdade e escapismo


Poucas coisas existem simples como a desigualdade. Poucas complicadas como o igualitarismo. Vejamos.

Começo por aquilo que é mais evidente. E a partir do mais evidente irei desdobrando aspectos diversos da matéria a ser tratada.

Se olharmos em torno de nós e mesmo dentro de nós, poderemos comprovar uma verdade simples e tranquila: todo o universo sensível é desigual, tudo nele mostra desigualdades. Não há duas nuvens, duas árvores, duas andorinhas iguais. Não há duas sementes iguais. Não há dois irmãos gêmeos iguais.

Existe a expressão: “tão parecidos como duas gotas de água”. Mas basta ver, num dia de chuva, as gotas escorrendo pela vidraça, para se perceber que até elas são um tanto diferentes entre si.

Nossos olhos foram concebidos para ver continuamente coisas diversas, e da mesma forma os outros sentidos. Eles se embotariam se colocados sempre diante da mesma realidade. Nosso aparelho digestivo pede alimentos variados, sob pena de adoecer. E assim por diante: a igualdade engendra a doença, e a variedade é condição para a saúde.

Gostamos de nos mover e necessitamos de movimento. Mas é a desigualdade que traz o movimento.

A igualdade não existe no terreno do concreto. H. J. Eysenck, que escreveu interessante livro sobre a desigualdade, é taxativo: “A Biologia coloca uma barreira absoluta ao igualitarismo.”[1]

A lei geral do universo concreto é a desigualdade. Nem mesmo os seres clonados são iguais! “Animais clonados não são cópias carbono de seus pais, mas diferem  muito, tal qual os produzidos através da reprodução sexual: em aparência, fisiologia e conduta” ‒ revela um estudo.[2]

O igualitário é escapista, procura ansiosamente fugir de uma realidade evidente com a qual não simpatiza, mas que o persegue. Só vamos encontrar igualdade se recorrermos a alguns conceitos teóricos, abstratos, como por exemplo essência e natureza. Seres concretamente desiguais podem ser iguais quanto a suas respectivas naturezas. Por exemplo, não existem dois cães fisicamente iguais. Mas eles são todos iguais se considerados em sua natureza canina. Da mesma forma, os homens são iguais apenas se considerados em sua natureza humana.

Diversos povos espalhados pela face do mundo, em várias épocas da História, exprimiram o fato da desigualdade em singelos e saborosos refrães ou ditados: “Os paus, duns se fazem santos, doutros tamancos (brasileiro) – “Entre as pessoas, alguns são pedregulhos, outros jóias” (indiano). – “Os cinco dedos da mão não são iguais” (árabe). “Os cisnes pertencem à mesma família que os patos. Só que eles são cisnes” (turco). “A igualdade não tem outra existência que a de seu nome” (grego). Etc.

Quanto mais nobres os seres, maior a desigualdade. Por exemplo, existe maior diferença entre um homem alegre e um homem triste do que entre um paquiderme e um inseto.

Diversidades e desigualdades. Alguém poderia objetar que estou descrevendo a diversidade, não a desigualdade. A diversidade não constituiria um problema para o igualitário. Ele pode não gostar dela mas a suporta. Mas o problema dele é a desigualdade, pois gera superioridades, hierarquias, prioridades.

Para tomar o exemplo dado acima, duas gotas d’água podem ser diversas, mas não são desiguais, no sentido de estarem hierarquizadas entre si. Elas valem muito pouco, diria esse alguém, mas valem o mesmo. Estão no mesmo plano.         Exatamente como, para os igualitários, é o caso dos homens. Um professor ou um trabalhador manual teriam o mesmo grau de dignidade. Suas funções seriam diversas, mas não desiguais.

Conclui o igualitário que a diversidade é natural, mas não a desigualdade, que implica em valores diferentes, numa hierarquização dos seres.

Os que assim pensam não consideram que a diversidade engendra a desigualdade, pois excelências diferentes tentem a se hierarquizar. O conceito de desigualdade, de fato, está contido no de diversidade. Se a variedade é tão natural, é preciso aceitar ser natural que a variedade tenha uma ordem. E a ordem na variedade chama-se hierarquia.

Um exemplo do afirmado acima encontramos dentro de nós. Outra vez temos superioridades, inferioridades, e não apenas diversidades. Nossos órgãos são desiguais e hierarquizados entre si. Por exemplo, a mão apara o golpe destinado à cabeça, mesmo que se machuque. Pois a mão vale menos que a cabeça e, por assim dizer, “sabe” disso. “Sabe” e “aceita” sem a menor hesitação. Essa é a sabedoria de nossos instintos.

Seria um estudo muito interessante o das lideranças entre os animais, o qual, entretanto, extrapola os limites deste volume. Mas basta lembrar os patos selvagens, com seus líderes na ponta de uma formação em “V”, sacrificando-se mais mas tornando possíveis longas viagens; as abelhas e as formigas, com suas rainhas, bem superiores às respectivas “plebes” e estas em boa paz com elas.

Indo ao ponto. Portanto, a desigualdade existe e é uma lei da natureza, portanto de Deus Criador. Se existe verdade comprovada é esta. É bom que toda e qualquer discussão comece a partir daí, pois o resto é escapismo.

A partir dessa constatação, podem-se discutir as seguintes questões, de onde nascem todas as propensões igualitárias e anti-igualitárias:

1.     É belo, simpático ou antipático que haja desigualdades?

2.     É benéfico ou prejudicial à sociedade que seja assim?

3.     Já que é impossível eliminar totalmente as desigualdades, é o caso de tentar reduzi-las ao mínimo dos mínimos? Ou, pelo contrário, há desigualdades que devem ser mantidas em qualquer caso, por serem benéficas, simpáticas e belas?

Os igualitários comparam as desigualdades as doenças, que é preciso eliminar tanto quanto possível, embora sabendo-se que não desaparecerão completamente. É preciso, dizem, reduzi-las ao mínimo dos mínimos. Os anti-igualitários rejeitam essa comparação. Colocados diante do fato das desigualdades, eles as vêm como fazendo parte das leis da natureza, e procuram entendê-las. E ver com o que elas rimam. Quem está com a razão?

Estes são os pontos centrais e inescapáveis de toda a problemática. Daí se desdobra uma cascata de questões menores. Por exemplo, o problema dos abusos a que a desigualdade pode dar lugar. A questão é cabível mas, como praticamente tudo é sujeito a abusos, tal discussão é colateral. Como dizia Dr. Plinio, “é certo que a desigualdade deve ter limites. Certo é também que a igualdade os deve ter”.

Por que o igualitário não aceita isso? A pergunta fica no ar.


[i] H. J. Eysenck, A Desigualdade do Homem (Zahar, Rio, 1976, p. 210).

[ii] The Times (Londres, 21-4-2003) “Clones surprise scientists by being different”.

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Leo Daniele

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