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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

É POSSÍVEL O SACERDÓCIO FEMININO NA IGREJA?


Diferentemente da Igreja Católica, comunidades protestantes já têm pastoras, como é o caso de Barbara Harris, “ordenada” bispo da igreja episcopal nos Estados Unidos em 1989.

Responde o Pe. David Francisquini nas páginas da revista Catolicismo, em sua edição deste mês.

Pergunta— Em nosso grupo de oração foi exibidoum vídeo de apresentação do livro Olharpara Maria e ver a Igreja, do jesuíta português Pe. Vasco Pinto Magalhães.O autor defende a existência de um sacerdócio feminino que não é mera cópia dosacerdócio masculino. Para ativá-lo, seria necessário procurar aquilo que amulher pode fazer na Igreja e ainda não faz, segundo a dimensão feminina deDeus, uma vez que Deus é pai e mãe. Confesso que fiquei confusa, e gostaria desaber se há algo de verdadeiro nisso; e, em todo caso, qual é o papel da mulherna Igreja. Obrigada.

Resposta — A pergunta denossa missivista é muito oportuna, porque a Assembleia Especial do Sínodo dosBispos sobre a Amazônia e o mal chamado “caminho sinodal” da Igreja alemãreabriram o debate sobre a possibilidade de existir na Igreja um ministérioexercido por mulheres.

O debate começoulogo após o Concílio Vaticano II, como um derivado do diálogo ecumênico, efazendo eco às iniciativas feministas de “emancipação da mulher”. Dizia-se que,de um lado, a mulher participa hoje de modo ativo em todas as esferas da vidasocial, e também no seio das paróquias (por vezes, até mais do que o elementomasculino); e de outro lado, que nas comunidades protestantes as mulheres de hámuito têm acesso à condição de pastoras.

A primeiraresposta concisa e abrangente da Santa Sé a essa problemática foi a Inter Insigniores, uma declaração daSagrada Congregação para a Doutrina da Fé sobre a questão da admissão dasmulheres ao sacerdócio ministerial, publicada em 15 de outubro de 1976 eassinada pelo seu Prefeito, o cardeal croata Franjo Seper.

Após reconhecero papel decisivo de algumas mulheres na vida da Igreja ao longo de sua história— basta pensar em Santa Catarina de Siena, Santa Teresa d’Ávila e tantasfundadoras de congregações religiosas (às quais poderíamos acrescentar a grandeIsabel a Católica, na esfera temporal) —, a declaração enumera as gravíssimasrazões de fé que impossibilitam o acesso de mulheres às ordens sagradas.

Gostaria de ressaltardesde já algo que a declaração coloca somente no final. Trata-se do fato de quea Igreja, por ter sido fundada diretamente por Nosso Senhor Jesus Cristo, “é uma sociedade diferente das outrassociedades, original pela sua natureza e por suas estruturas”. De onderesulta que, por mais que as sociedades nascidas da sociabilidade natural ou doengenho do homem possam adaptar-se às evoluções do espírito humano, a Igrejanão pode mudar, e deve resolver seus problemas de eclesiologia à luz daRevelação e da Tradição que os Apóstolos deixaram, não dos postulados dasciências humanas.

No caso emquestão, o ministério pastoral e o governo na Igreja são ligados ao sacramentoda Ordem, o qual não foi instituído por homens, mas pelo próprio Jesus Cristo, eé conferido pela imposição das mãos e pela oração dos sucessores dos Apóstolos,que garantem a escolha do candidato da parte de Deus. De onde os ordinandos seremchamados de “clérigos” (do grego “kléros”— tirado por sorte, porção, herança), como consta da eleição de São Matias parasubstituir Judas no Colégio Apostólico (At 1, 26).

Acontece que “Jesus Cristo não chamou mulher alguma parafazer parte do grupo dos Doze”; e não se pode dizer que Ele agiu assim paraSe conformar aos usos da época, como pretendem as feministas, “porque a atitude de Jesus em relação àsmulheres contrasta singularmente com aquela que existia no seu meio ambiente”,como afirma o documento da Sagrada Congregação. Ele conversa publicamente com aSamaritana (Jo 4, 27); não leva em consideração o estado de impureza legal damulher atormentada por um fluxo de sangue (Mt 9, 20-22); permite que umapecadora se aproxime d’Ele na casa do fariseu Simão (Lc 7, 3 e ss.); perdoa amulher adúltera (Jo 8, 11); e rejeita o repúdio à mulher, restaurando aindissolubilidade do matrimônio (Mt 19, 3-9). Mais ainda, fez-se acompanhar noseu ministério itinerante não somente dos doze Apóstolos, mas também de umgrupo de mulheres. E contrariando a mentalidade judaica e o direito hebraico, quenão reconhecia grande valor ao testemunho das mulheres, faz delas as primeirastestemunhas de sua Ressurreição e lhes confia o encargo de levar a primeiramensagem pascal aos Apóstolos.

Papa Inocêncio III, no início do século XIII: “Conquanto a Bem-aventurada Virgem Maria superasse em dignidade e excelência todos os Apóstolos, não foi a Ela, contudo, e sim a estes, que o Senhor confiou as chaves do Reino dos Céus”

As chaves do Reino dos Céus confiadas aos Apóstolos

Portanto, como afirmaa Congregação, existe “um conjunto deindícios convergentes que acentuam o fato notável de que Jesus não confiou amulheres o encargo dado aos Doze”. Acima de tudo, é expressivo que nem suaprópria Mãe foi investida do ministério apostólico, embora tão intimamenteassociada ao apostolado de seu Filho e ter desempenhado um papel ímpar em Suavida e na da primeira comunidade cristã.

Sobre isto escreveuo Papa Inocêncio III no início do século XIII: “Conquanto a Bem-aventurada Virgem Maria superasse em dignidade eexcelência todos os Apóstolos, não foi a Ela, contudo, e sim a estes, que oSenhor confiou as chaves do Reino dos Céus” (Carta de 11 de dezembro de1210 aos Bispos de Palência e Burgos).

A comunidadeapostólica se manteve fiel ao exemplo de Nosso Senhor. Embora Nossa Senhoraestivesse depois da Ascensão no Cenáculo, ao se tratar de eleger um substituto parao traidor Judas, seu nome nem foi apresentado, mas sim os de dois discípulos aosquais os Evangelhos não fazem menção. Igualmente, ao expandir-se o cristianismofora dos limites do mundo judaico, penetrando na área helenística (onde eramconfiados a sacerdotisas vários cultos idolátricos), nem sequer foi aventada apossibilidade de conferir a Ordenação a mulheres, mesmo que algumas delas colaborassemtão estreitamente com São Paulo, a ponto de serem mencionadas em suas Epístolase nos Atos dos Apóstolos. Aliás, São Paulo se referiu aos homens e mulheres queo ajudaram com a expressão “meus colaboradores”, mas reservou a designação de“colaboradores de Deus” para si mesmo, para Timóteo e para Apolo, por estaremconsagrados diretamente ao ministério apostólico.

O sacerdote deve representar Nosso Senhor Jesus Cristo

O sacerdote representa Cristo, que age por meio dele, como afirma a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé: “‘O sacerdote faz realmente as vezes de Cristo’, escrevia, já no século III, São Cipriano”.
Quadro acima: O padre Bervoets, coadjutor da igreja de São Carlos Borromeu – Ernest Wante (início do séc. XX), Anvers, Bélgica

Eis por que aIgreja nunca admitiu que as mulheres pudessem receber validamente a Ordenaçãoministerial. “Algumas seitas heréticasdos primeiros séculos, sobretudo as gnósticas, pretenderam fazer exercer oministério sacerdotal por mulheres: tal inovação foi imediatamente observada ecensurada pelos Padres, que a consideraram inaceitável na Igreja”. É o que afirmaa declaração do Cardeal Seper, citando Santo Irineu, Firmiliano de Cesareia,Orígenes e Santo Epifânio, a Didascalia Apostolorume São João Crisóstomo. O principal argumento das condenações de tal novidade éprecisamente o da obrigação de fidelidade ao tipo de ministério ordenado porNosso Senhor e escrupulosamente mantido pelos Apóstolos.

Continua o documento do Vaticano: “A tradição da Igreja nesta matéria, ao longo dos séculos, foi de talmaneira firme, que o Magistério nãose sentiu na necessidade de intervir para formular um princípio que nãoconstituía objeto de controvérsias, ou para defender uma lei que não eracontestada”.

Soma-se a todo oanterior uma profundíssima razão teológica ligada à própria natureza dosacramento da Ordem. No exercício da sua função, o ministro sagrado não age emseu nome próprio. Ele representa Cristo, o qual age por meio dele, como afirmaa S. Congregação para a Doutrina da Fé: “‘Osacerdote faz realmente as vezes de Cristo’, escrevia, já no século III, SãoCipriano. Tal valor de representação atinge sua expressão mais alta nacelebração da Santa Missa, durante a qual se renova de maneira incruenta o sacrifíciode Cristo no Calvário: ‘O sacerdote, que é o único que tem o poder de realizá-lo,age então não somente em virtude da eficácia que Cristo lhe confere, mas inpersona Christi, fazendo o papel deCristo, até ao ponto de ser a sua própria imagem, quando pronuncia as palavrasda consagração’”.

Impossibilidade da ordenação sacerdotal de mulheres

Nossa Senhora recebe a Comunhão das mãos de Nosso Senhor Jesus Cristo – Anônimo (1600). Museu do Prado, Madri.

Portanto, osacerdócio cristão é de natureza sacramental: “O sacerdote é um sinal cuja eficácia sobrenatural lhe advém daOrdenação recebida; mas um sinal que deve ser perceptível, e que os fiéis devempoder reconhecer sem dificuldade”. Ora, como diz Santo Tomás de Aquino, “os sinais sacramentais representam aquiloque eles significam por uma semelhançanatural (In IV Sent., dist. 25, q. 2, art. 2, quaestiuncula 1ª ad4um).

Mas é patenteque tal‘semelhança natural’, que deve existir entre Cristo e o seu ministro, nãoexistiria se a função de Cristo não fosse desempenhada por um homem: casocontrário, dificilmente se veria no mesmo ministro a imagem de Cristo. Comefeito, o próprio Cristo foi e continua a ser um homem” — frisa adeclaração Inter Insigniores.

Com efeito, a Encarnaçãodo Verbo se realizou segundo o sexo masculino, fato que não pode ser dissociadoda economia da salvação, porque “a Aliançaacha-se descrita, já desde o Antigo Testamento e no modo de expressar-se dosProfetas, sob a forma preferida de um mistério nupcial: o povo escolhidotorna-se para Deus uma esposa ardentemente amada. […] O Verbo, Filho de Deus,assumiu a carne para inaugurar e selar a nova e eterna Aliança com o seusangue, que será derramado por muitos para a remissão dos pecados: a sua mortecongregará os filhos de Deus que andavam dispersos; do seu lado traspassadonascerá a Igreja, assim como Eva nasceu do lado de Adão. É então que se realizaplena e definitivamente o mistério nupcial anunciado e cantado no Antigo Testamento:Cristo é o Esposo; a Igreja é a sua esposa, que Ele ama por isso mesmo que aremiu com o seu sangue e a tornou resplandecente de glória, santa e sem mancha,e doravante Ele é inseparável dela”.

Isso obriga aadmitir que “naquelas ações que exigem ocaráter da Ordenação, e em que é representado o próprio Cristo, autor daAliança, Esposo e Chefe da Igreja exercendo o seu ministério da Salvação — comosucede no mais alto grau no caso da Eucaristia —, seu papel há de ser desempenhado (é este o significado primigênioda palavra ‘persona’) por um homem”.

Confirmando todoo anterior, o Papa João Paulo II declarou solenemente em sua Carta Apostólica Ordinatio Sacerdotalis, de 22 de maio de1994: “Para que não haja mais dúvidassobre esta questão de grande importância, que pertence à própria constituiçãodivina da Igreja, declaramos, em virtudedo nosso ministério de confirmar os irmãos (cf. Lc 22, 32), que a Igreja não tem absolutamente afaculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentençadeve ser mantida definitivamente (nº 4).

Impossibilidade contida na Revelação e confirmada peloMagistério

Em resposta adeclarações de Dom Erwin Kräutler, bispo emérito da Prelazia de Xingu, nosentido de que a impossibilidade da ordenação de mulheres “não é um dogma”, oantigo Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Gerhard Müller, retrucou:

“É fora de dúvida que a decisão definitiva de JoãoPaulo II é realmente um dogma da Fé da Igreja Católica, e que esse eraobviamente o caso já antes que dito Papa, no ano de 1994, definisse essaverdade como estando contida na Revelação. A impossibilidade de uma mulherreceber validamente o Sacramento da Ordem Sagrada em cada um dos três graus [diaconato, sacerdócio e episcopado] éuma verdade contida na Revelação e, portanto, é infalivelmente confirmada peloMagistério da Igreja e apresentada por Ela como devendo ser crida pelos fiéis”.

Em umadeclaração posterior, o purpurado reiterou que a exclusão da ordenação de mulheresinclui o diaconato, uma vez que o Papa e os bispos não têm autoridade sobre asubstância dos sacramentos. Ora, o Concílio de Trento declarou solenemente que “bispo, sacerdote e diácono são apenas grausdo único sacramento da ordemsagrada” (Decreto sobre o Sacramento da Ordem Sagrada: DH 1766; 1773).

*   *   *

Nossa Senhora é o modelo sublimeda vocação da mulher na Igreja. Não recebeu qualquer missão oficial nela, mas,devido à sua íntima união de Mãe, é o liame que une a Cabeça ao Corpo Místico,é a Medianeira de todas as graças. Peçamos a Ela que obtenha para todas asreligiosas, catequistas, coadjuvantes em qualquer área ou simples mães defamília, uma grande participação na sua própria fecundidade espiritual. E proteja a Santa Igreja da atual arremetida herética e gnóstica contraa sua estrutura hierárquica instituída pelo seu Divino Filho.

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Padre David Francisquini

Padre David Francisquini

139 artigos

Pe. David exerce sua missão sacerdotal na Igreja do Imaculado Coração de Maria, em Cardoso Moreira (RJ). Entusiasta do livro Revolução e Contra-Revolução, do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, o Revmo. Pe. David sempre propagou os ideais deste insigne pensador e líder católico. Pe. David é autor de dois livros importantes para a defesa da família Brasileira: "Catecismo contra o Aborto" e "Homem e Mulher, Deus os criou".

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