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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Estatísticas para viver 200 anos


Ultimamente a minha caixa postal de e-mail vem sendo congestionada por mensagens de amigos, e até desconhecidos, com propostas miraculosas e irrecusáveis para prolongar minha preciosa existência terrena. Não sei se essa avalanche de terapias alternativas contém alguma insinuação, mas imagino que o meu iminente ingresso na terceira idade deve ter algo a ver com esse esforço coletivo em prol da minha saúde. Uns prometem 5, outros 8, outros 10 anos a mais de vida, outros nem tanto. Somando tudo, posso ganhar tranquilamente mais uns 50 aninhos.

Confiante na boa intenção desses solícitos amigos e desconhecidos, decidi avaliar criteriosamente as propostas. Uma delas baseia-se em pesquisas rigorosas de especialistas de Harvard. Aliás, quase todas contam com apoio equivalente a esse, prudentemente inspirado no “dize-me com quem andas…”. Surpreendeu-me que esta primeira proposta não recomenda alimentos indispensáveis, medicamentos infalíveis, atividades físicas e mentais com efeitos prodigiosos. Manda simplesmente que eu faça o que sempre fiz: tomar água. Mas não basta tomar água, os tais especialistas propõem uma verdadeira inundação. Afirmam que 8 copos de água diários são necessários, além de reduzir à metade o risco de vários tipos de câncer. Em seguida dobram a dose para 16 copos diários, suponho que para evitar a outra metade dos cânceres.

Se a moda pega, assim o câncer vai acabar. Mas neste caso o risco se desloca para as ameaças de outro grupo de desvairados – os ambientalistas – que vão protestar contra o esgotamento da água no planeta. Estou achando melhor colaborar com a ecologia, não tomando toda essa água que eles recomendam.

A redução do colesterol tornou-se obsessão universal, tanto dos médicos quanto dos leigos. É tão generalizada a perseguição ao colesterol, que já estou pensando em tomar as dores desse “excluído”. Um bom ponto de partida é que a estatina usada por um amigo produziu sérios efeitos colaterais. Parou de usá-la, e descartou-a como devastatina. Embora esses efeitos colaterais sejam conhecidos, já se fala em dobrar o uso da devastatina. Diante dessa insistência e daquelas consequências, acho melhor deixar o meu colesterol sanguíneo em paz, no nível em que sempre esteve.

Um desconhecido apresentado como grande cientista, que usou o bicarbonato de sódio em si mesmo, como cobaia, ainda não adquiriu nenhum câncer. Ele não esclareceu se essa poderosa ação anti-cancerígena interfere no conhecido efeito antiácido, ao qual de vez em quando recorro. Suponho que não, portanto esse meu uso esporádico já me autoriza a considerar-me livre do risco de câncer.

Aprendi os efeitos abundantes e maravilhosos do consumo de frutas, o que me fez entrar para a categoria de criminoso, pois comia frutas só por serem saborosas. Devia comê-las porque contêm vitaminas, selênio, cálcio, potássio, licopeno, caroteno, resveratrol, flavonoides e outras preciosidades. Espero que essas substâncias venham exercendo em mim seus efeitos notáveis, apesar de eu as ter ignorado até agora.

Houve sugestões para me empanturrar de fibras, mas recuso-me a ingerir torradas com gosto tão atraente quanto parece ser o de papelão ondulado.

Cebola, brócolis, alho, banana, jabuticaba, verduras em geral, tudo isso encontra consumidores estatisticamente convictos, mas ser vegetariano exclusivista é outra história. Um cantor brasileiro, que vestia a camisa verde vegetariana, passou a atuar depois de velho como garoto-propaganda de carne bovina. Não sei a causa dessa reversão, mas me lembra a frase cínica de um escritor idem: “Quando eu era criança, achava que o dinheiro é a coisa mais importante do mundo. Agora tenho certeza”…

Descartei terapias tibetanas, pois não conseguiria reprimir minhas gargalhadas diante de bonzos com cabeças vazias por fora e por dentro; como abóbora de Halloween… sem vela acesa.

Para muitos, quem caminha 24 horas ganha um dia de vida. Quanto a mim, em vez de Pero Vaz que caminha, prefiro ser Pero Vaz na caminha… depois de um brinde a outro caminhante – Johnny Walker.

A referência ao uísque me conduz a outra sugestão ótima. A marca Old Parr é homenagem ao escocês Thomas Parr, que consta ter vivido 152 anos, como diz o rótulo. Essa referência do marketing acena ao usuário fiel desse uísque com a mesma longevidade. Acredito piamente em tudo que diz o marketing (especialmente a propaganda política), portanto vou habilitar-me a viver até lá, tomando uma dose diária de uísque. A partir dos 152 anos assim garantidos, irei até os 200 somando os efeitos benéficos relatados nas outras propostas que venho recebendo.

Depois disso aguardarei na cama (lugar mais perigoso do mundo, como atestam 99% das estatísticas) o que acontece com todos os seres vivos, como atestam 100% das estatísticas.

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Jacinto Flecha

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Jacinto Flecha, médico, cronista e colaborador da Agência Boa Imprensa.

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