Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
7 min — há 5 anos
O admirável livro do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana (1993), alcançou grande repercussão em diversos países da Europa e nas três Américas.
Um importante apêndice da obra trata da nossa História, sob o título “No Brasil Colônia, no Brasil Império e no Brasil República: gênese, desenvolvimento e ocaso da ‘Nobreza da terra’– O papel da incorporação de elementos análogos à nobreza originária”.
Neste artigo, faremos uma síntese dessa parte da obra de Plinio Corrêa de Oliveira, que é um estudo de caráter histórico e sociológico, baseado em renomados autores. Num artigo anterior, resumimos a formação das elites no Brasil Colônia, e neste apresentamos o desenvolvimento dessas elites no Império e na República.
A “Nobreza da terra” perante o rei e a nobreza da Metrópole
No Brasil Colônia, a elite que assumiu as características de uma aristocracia em formação, ou já formada, passou a ser chamada correntemente “Nobreza da terra”. Perante ela que se ia constituindo na Colônia, qual foi a atitude dos Reis de Portugal, da Corte e da nobreza lusas?
O senhor de Engenho era um título de nobreza entre fidalgos do Reino, que introduzia, por si mesmo, nos quadros da nobreza e do poder. Não se deve deduzir daí que o senhor de Engenho estava dotado, do ponto de vista nobiliárquico, de uma situação tão precisa e inequívoca, nem da atribuição de funções públicas tão definidas, quanto a nobreza, propriamente dita, de Portugal.
As elites constitutivas da “Nobreza da terra” deram sobejas provas de coragem, ora por ocasião da defesa do Brasil litorâneo contra as expedições de países estrangeiros, como a França e a Holanda, ora por ocasião do desbravamento e das lutas necessárias para que o povoamento começasse a se estender por nosso hinterland.
Por esses destacados serviços concedeu o Monarca a tais elites assinalados privilégios, prêmios e honrarias. Entre tais privilégios destacamos o do governo dos municípios.
A redução dos privilégios da “Nobreza da terra”
Essa estrutura, embora em parte formada consuetudinariamente no Brasil, mas com o agrado da Coroa portuguesa, passou a sofrer, por volta do final do século XVII, uma forte ofensiva vinda de fora da Colônia e que a poria em gradual declínio.
A influência dos legistas havia freqüentemente posto à margem da vida política dos municípios a “Nobreza da terra”, que anteriormente acionava aqueles governos, dotados de apreciável faixa de autonomia. Eles tenderam então a refluir das cidades para as fazendas, nas quais lhes restava um campo de vastidão ilimitada para intensificarem as atividades do plantio e da criação de gado. Esta existência tranqüila e digna não era desprovida de consideráveis méritos para o bem comum.
Mas a tal respeito é preciso não alimentar ilusões. Longe do litoral, ao qual o comércio trazia as mais recentes mercadorias inspiradas pelas modas que se sucediam na Europa, a vida e os modos de ser da “Nobreza da terra” foram se estagnando. Como era inevitável, nessa estagnação ela se tornava mais sensível para alguma assimilação de costumes e modos de ser locais. Numa palavra, traços de “caipirismo” misturavam-se à fisionomia aristocrática dessas elites interioranas.
Esse período de tranqüilidade bucólica cessou por um inesperado efeito das grandes guerras e revoluções, que sacudiram a Europa havia já 20 anos. Era a chegada à nossa terra de D. João, Príncipe e Regente de Portugal, em 1808, tendo aqui permanecido até 1821.
D. João usava cumulativamente o título de Príncipe do Brasil, pois era herdeiro do trono luso e exercia todos os poderes de monarca, em vista do estado de demência em que caíra a sua mãe a Rainha D. Maria I. Esse grande acontecimento histórico marca com efeito uma época decisiva de considerável transformação na vida social e política de nossa nobreza territorial.
Os títulos de Nobreza do Império
Que reflexos teve, sobre a “Nobreza da terra”, a criação dos títulos de nobreza do Império? Pequena. Quase se diria nula.
A Constituição Imperial Brasileira de 1824 não reconhecia privilégios de nascimento. A idéia era de que o título de nobreza só seria compatível com os progressos daqueles tempos se premiasse méritos individuais. Os méritos dos antepassados de nenhum modo deveriam beneficiar os descendentes respectivos. De onde a não hereditariedade dos títulos.
A declaração de independência do Brasil, em 1822, trouxe consigo a implantação da monarquia parlamentar e, portanto, do regime eleitoral representativo. Transformava-se profundamente, desta maneira, o quadro político.
Diante de tais transformações, a “Nobreza da terra” não se deixou ficar inerte. Pelo contrário, tratou de perpetuar o seu poder político nas novas condições criadas pela implantação de uma monarquia coroada no Brasil. A maioria dos votos dependia da “Nobreza da terra”, que exercia o seu poder através dos partidos políticos, pois o partido vive de uma força eleitoral, a qual estava em mãos dos nobres da terra. E pitoresca e inesperada a organização em que estes se constituíram para conservar o prestígio de outrora.
O ciclo do café
Em meados do século XVIII tivera início o ciclo do café, dando ocasião ao aparecimento de um novo aspecto da “Nobreza da terra”.
Nascera a chamada “aristocracia do café”, cujo prestígio e influência marcaram sobretudo a vida do Império e, depois da queda deste, algumas décadas da República.
Proclamada a República, em 1889, nem por isso desapareceu a influência política das famílias provenientes da antiga “Nobreza da terra”.
Entretanto, as transformações gerais da vida do Ocidente, quer durante o Império, quer durante as primeiras décadas da República, foram influenciando inelutavelmente a sociedade brasileira. E isso em detrimento das velhas elites rurais.
Em fins dos anos 20 do nosso século, uma formidável crise abalou o cultivo do café existente sobretudo em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Fora ela ocasionada pela política inábil da República, ante uma produção maior do que o consumo do mercado mundial.
Essa crise imprevista apanhou grande número de cafeicultores em plena crise de endividamento. A classe dos grandes fazendeiros do café sofreu assim um golpe que lhe diminuiu muito consideravelmente o prestígio social, e ainda mais o prestígio político.
Quando esses fatos se passavam no Sul do País, de há muito haviam entrado em decadência os senhores de Engenho do Pernambuco e de outros Estados do Nordeste brasileiro.
A Revolução de 1930 e o fim das elites rurais tradicionais no Brasil
O curso dos fatos preparava para o País novas condições, cujas conseqüências importaram na virtual extinção da aristocracia rural.
Na verdade, a Revolução de 1930 apeou do poder o Presidente Washington Luiz (1869 – 1957) [foto ao lado] que, pela sua figura, era um símbolo expressivo da ordem de coisas em desaparecimento — e colocou Getúlio Vargas na presidência.
Essa Revolução deu origem a 15 anos, quase contínuos, de uma ditadura que, de um lado, se proclamava anticomunista, mas de outro apoiava as transformações sociais aqui reclamadas pela esquerda. O “getulismo” inaugurou uma república populista.
Com isto, a classe dos senhores de terras ficou reduzida a restos esparsos, a raros destroços flutuando num Brasil cada vez mais povoado, cada vez mais urbanizado e industrializado, no qual os filhos de imigrantes das mais diversas procedências iam obtendo situações de destaque, e adquirindo no campo as fazendas que as energias exaustas e as finanças esquálidas dos antigos proprietários já não podiam reter.
Estes constituíam cada vez menos uma classe definida e, salvo poucos dos seus membros, perdiam-se num anonimato ou semi-anonimato, dentro do tumulto de um Brasil sempre mais rico, e sempre mais diferente do que fora.
Bibliografia: Plinio Corrêa de Oliveira, Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana.
Fonte: Revista Catolicismo, Janeiro/1994.
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