Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
7 min — há 6 anos
Há 50 anos, na noite de 20 para 21 de agosto de 1968, a capital da Checoslováquia acordou com um estrépito inusual até para aqueles agitados dias.
O sinistro barulho era produzido por 2.300 tanques de 29 divisões blindadas do Exército Vermelho que violaram a fronteira oriental do país.
Na invasão denominada “operação Danúbio” participavam outras unidades da aliança militar comunista Pacto de Varsóvia, hoje substituída sorrateiramente por novos pactos concebidos por Vladimir Putin.
Soldados poloneses, húngaros, búlgaros e alemães do Leste totalizavam 200 mil combatentes instruídos para esmagar mais uma revolta popular na Europa Oriental socialista ocupada pela URSS, segundo longa reportagem do “Clarin”.
Doze anos antes, um heroico levantamento anticomunista e patriótico na Hungria fora afogado em sangue e fogo. Mas a revolta de checos e eslovacos foi diversa.
As manifestações estudantis, sabotagens e greves começaram meses antes deixando o balanço final de mais de uma centena de mortos e de 300 mil exiliados imediatos.
A chamada “Primavera de Praga” ecoava o Maio de 68 francês e as revoltas pacifistas nos EUA enquanto o exército americano passava apertado pela enlouquecida ofensiva da guerrilha comunista dos vietcongues.
A nível popular, a revolta de Praga foi a sublevação de um povo que se queria libertar do opressor marxista.
Mas, o nobre povo era guiado por líderes suspeitos. Eles cultivavam a semente de uma planta peçonhenta: a de um comunismo “autogestionário”, verdadeira meta da utopia marxista até então nunca concretizada.
Essa meta acabou inscrita na Constituição da URSS de 1977 e foi apresentada ao mundo décadas depois como fruto sedutor da perestroika de Mikhail Gorbachev.
Lê se no preâmbulo da Constituição russa de 1977 que
“o objetivo supremo do Estado soviético é edificar a sociedade comunista sem classes, na qual se desenvolverá a autogestão social comunista”
(Constitución — Ley Fundamental — de Ia Unión de Repúblicas Socialistas Soviéticas, de 7 de outubro de 1977, Editorial Progreso, Moscou, 1980, p. 5).
Quando o supremo líder russo anunciou o fim da URSS em 26.12.1989, pensava na extinção de Mamute esclerosado das “Repúblicas Socialistas” e na implantação do “comunismo novo” que no Ocidente havia sido anunciado pelo presidente socialista francês François Mitterrand.
A manobra autogestionária não deu certo nem na Rússia nem na República Checa, como tampouco na França, na Polônia e onde tentou se implantar.
Mas na Checoslováquia, a utopia fervia em círculos intelectuais. Desde 1953, Antonin Novotny, ‘laranja’ do comunismo soviético, tiranizava o país. Os soviéticos fizeram dele o fiel ditador o presidente do Estado desde 1957.
Novotny acabou abandonando o poder em inícios de 68. Alexander Dubcek assumiu a secretaria geral do Partido Comunista e seu nome ficou associado à insurreição.
A “Primavera de Praga” propôs por enésima vez a enganação de um “socialismo de rosto humano”.
Essa falácia voltaria a ser repetida na América Latina, e no Brasil. Notadamente no Chile com o presidente comunista Salvador Allende derrubado por golpe popular-militar em 1973.
No Brasil foi o cerne do “Lula paz e amor”: um socialismo “cristão” no gosto da CNBB que não começou fuzilando burgueses como a Rússia de Lenine.
Mas que acabaria jogando o Brasil na violência, o caos e a miséria anárquica da Venezuela de Maduro, onde Chávez tentou estabelecer as bases do “socialismo autogestionário”.
Na Rússia, a mentira do “socialismo com rosto humano”, autogestionário e profundamente igualitário foi grande cartada de Mikhail Gorbachev.
A fórmula gorbacheviana recolheu as propostas dos ideólogos checos do comunismo novo: “terceira via”, reformas econômicas pelo igualitarismo total nas fábricas, liberdade religiosa para a Igreja Nova que tinha surgido do Concílio Vaticano II, fim da censura à imprensa que no Ocidente tinha se voltado para a esquerda, entre outras coisas.
No interior do PC checo e, sobre tudo do PC russo, essas reformas não foram vistas com bons olhos.
Os ortodoxos “leninistas” percebiam que o povo simples não entendia nada dessas construções ideológicas. Simplesmente queria se livrar do comunismo como um cachorro chacoalha a água do banho.
Se para essa libertação era necessária uma fase ignota dita “autogestionária”, o povo a suportaria e no fim acabaria a jogando fora com o sabão do banho.
Ajuda a compreender o caso aquilo que se deu na Polônia. O badalado sindicato Solidariedade liderado por Lech Walesa mobilizou massas contra a ditadura comunista prometendo a “autogestão”. Moscou deixava-o jogar até o ponto de Walesa se beneficiar sem represálias das bênçãos públicas do Vaticano.
O sindicato Solidariedade liderou a derrocada do comunismo soviético que oprimia a Polônia. Lech Walesa ficou presidente e tentou seu projeto “autogestionário”, ou “comunismo de rosto humano”.
O povo polonês acabou lhe dando um pontapé e hoje Walesa e seus sonhadores estão chorando as mágoas amparados pelas esquerdas ocidentais. A Polônia é católica e quer os princípios cristãos tradicionais da religião, da família e da propriedade.
Em 68, os intelectuais da “Primavera de Praga” redigiram o manifesto “Duas Mil Palavras” (Dva Tisíce Slov), questionando o rol hegemônico do Partido Comunista, exigindo a reabilitação dos prisioneiros políticos, pedindo uma TV aberta e liberal para fazer sua revolução da imoralidade como hoje fazem as TVs como a Globo no Brasil.
Mas os leninistas do Kremlin comandados por Breznev foram perspicazes: isso daria num “ato contrarrevolucionário”. E ordenaram a invasão cruenta.
Dubcek foi obrigado a trabalhar de jardineiro. O atleta campeão Emil Zatopek ficou gari. Cineastas e escritores do novo comunismo foram melhor tratados e deixados partir para o exílio.
O banho de sangue da Budapeste sinceramente anticomunista e patriótica de 1956, não se repetiu bem no movimento popular checoslovaco de 1968.
Mas a “Primavera de Praga” levantou uma bandeira entre os súditos obedientes de Moscou.
Muitos intelectuais e simpatizantes comunistas se afastaram das mofadas fórmulas filosóficas de Karl Marx e dos facinorosos conselhos táticos de Vladimir Lênin.
Os maiores Partidos Comunistas do Ocidente, notadamente os mais poderosos da Franca e da Itália, anunciaram novas vias, como o “eurocomunismo”.
Só a Cuba de Castro – a “ilha do diálogo” segundo o Papa Francisco – se manteve fiel ao crime de Estado, cópia da URSS.
Nada sobrou do “novo comunismo autogestionário” da “Primavera de Praga”? Na vida dos partidos e dos movimentos temporais parece que algo ficou, mas mirrado e sem força de projeção para o futuro.
Gorbachev não conseguiu o que queria. Seu sucessor Yeltsin governou num período anódino ‘esquentando a poltrona’ para aquele que viria: Vladimir Putin. Esse voltou-se para o modelo de José Stalin, seu modelo e ídolo.
Os tanques enferrujaram, a rebeldia neo-marxista morreu. Os jovens checos hoje procuram valores conservadores.
Mas a utopia não morreu, ela ficou acalentada em clubes filosóficos, sacristias, bispados e panelas teológicas. Hoje hoje renasce até em documentos pontifícios como a encíclica do Papa Francisco ‘Laudato Si’.
Sim, renasce. E mais radical do que nunca. E é devorado por um frenesi de igualitarismo para além do sonhado por Marx.
Dita utopia seria melhor interpretada na fórmula máxima da “autogestão”: a vida pansíquica da tribo na mata alimentada por meio de cultos xamânicos de forças escuras que emanariam das profundezas da terra. Chame-se de Gaia, de Pachamama ou ainda de outra forma.
O que os ideólogos europeus da “autogestão” não se atreveram a dizer, está começando a ser debatido de público em função do próximo Sínodo da Igreja Pan-amazônica convocado pelo Papa Francisco. Cfr.: O materialismo da Igreja ecológica amazônica deixa Karl Marx atrás
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