Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
5 min — há 5 anos
Título sugestivo escolheu Roberto Campos para suas memórias: “A lanterna na popa”. A proa fende as águas da vida, é o presente. Parte de trás, a popa, é o passado. O texto do memorialista, a lanterna, o iluminava.
O movimento revolucionário pode ser comparado a um grande navio. Singra os mares da história humana. Tem parte pouco visitada, a praça de máquinas, onde estão seus motores, aquilo que o impulsiona. Vou entrar lá com uma lamparina, ali mostrar certos desvãos.
Tudo estava nas mãos do comunismo. Em 1917 o comunismo mais radical, sob o comando de Lênin, por meio de golpe de Estado, conquistou um império gigantesco, a Rússia. Implantou rápida e brutalmente ditadura total, governou balizado por concepções totalitárias, dominou o Estado, massacrou a oposição; enfim, o Partido Comunista tinha tudo nas mãos. Caminho desimpedido, seu objetivo, a sociedade sem Estado dos livres e iguais poderia ser implantado com celeridade, se necessário a ferro e fogo. E dali, pelo exemplo e pelos aparatos da expansão imperialista (em especial a Internacional Comunista) logo conquistaria o mundo encantado com as maravilhas da sociedade comunista — os amanhãs que cantam. Havia enorme esperança no poder redentor do Estado. A superpotência comunista, o poder militar, o financiamento do comunismo no Ocidente de fato ajudaram o proselitismo e a expansão do comunismo. É realidade conhecida, a cara da moeda.
Obstáculos. Vou pôr em destaque agora o outro lado, a coroa da moeda. O mundo logo reagiu horrorizado aos espetáculos dantescos do bolchevismo. O Partido Comunista registrou o baque, não conseguia ganhar eleições em boa parte por causa da realidade no país dos sovietes. O horror da situação na Rússia cristalizou fortíssimo sentimento anticomunista e possibilitou a formação de movimentos dessa orientação no mundo inteiro, muitos dos quais tomaram o poder. Os próprios socialistas, ainda que concluindo alianças eleitorais, marcavam distâncias. Pior. O homem novo da utopia comunista não estava se formando na Rússia soviética. A liberação legal dos costumes ocorrida nos primeiros anos que deu origem a pavorosa desagregação social, foi trocada pelo enrijecimento da legislação, sob Stalin, a ponto de certas partes da legislação civil, por exemplo, as relativas ao divórcio, serem mais restritivas que disposições semelhantes vigentes em países democráticos. De outro modo, a liberação moral prometida pela doutrina era limitada pela prática, pois Stalin precisava da disciplina social para industrializar a Rússia — praticava-se um capitalismo de Estado. Mais ainda. Lá o comunismo não transformava fundo as mentalidades. O russo comum era parecido com o russo sob o tsarismo.
Tudo estava nas mãos do comunismo? O Estado estava nas suas mãos, as instituições, ensino, polícia, empregos sob inteiro controle. Contudo, não o interior das pessoas, suas crenças, aspirações, gostos, costumes. Saltava à vista para os dirigentes, na política e nas esferas intelectuais, não bastava ter o Estado nas mãos para acelerar a criação do homem novo comunista. Mais ainda, era pouco ter o Estado nas mãos. E, olhando o Ocidente, era pavoroso o exemplo de sociedade comunista (tirania e miséria) que o comunismo russo lhe dava. Dele fugia o povo. Em curto, havia um impasse e a pura doutrina marxista, determinista, e tudo fazendo derivar de realidades econômicas, era incapaz de apresentar a solução.
Saídas. De passagem, em artigo anterior, “Dominação e emancipação”, postado no meu blogue (periclescapanema.blogspot.com) em 26 de junho, prometi voltar a tratar da Escola de Frankfurt. Cumpro aqui parcialmente a promessa, espero ainda discorrer mais longamente do tema. Várias foram as correntes e pensadores comunistas de partido e mesmo anarquistas que procuraram saídas para o impasse acima referido. Destacaram-se no cipoal das opiniões em choque, duas delas, o gramscismo e as doutrinas cuja origem de maneira um pouco simplificada podemos colocar na Escola de Frankfurt. É o que hoje via de regra se qualifica de forma abrangente de marxismo cultural. Antônio Gramsci (1891-1937) mostrou a importância de conquistar a sociedade civil (uma grande marcha no interior das famílias, das igrejas, do ensino, dos meios de divulgação) antes de buscar o poder no Estado, etapa posterior. E a Escola de Frankfurt abriu a mente de milhões de pessoas nas correntes comunistas abrigadas nos PCs ou em torno dele para a importância da destruição da família tradicional, da generalização da moral libertária, da criação de novas mentalidades e costumes, da valorização do instinto com a consequente desvalorização da razão, antes de visar obsessivamente o poder político. Em resumo, é preciso empapar sobretudo o interior das personalidades e a sociedade inteira com novos costumes e novas concepções de caráter libertário e desagregador. O poder político figura apenas como um dado a mais. Entre seus mais conhecidos representantes são mais conhecidos Herbert Marcuse (1898-1979), Max Horkheimer (1895-1973), Theodor Adorno (1903-1965), Walter Benjamin (1892-1940), Erich Fromm (1900-1980).
Um exemplo. Daniel Cohn-Bendit, Dany Le Rouge, foi ícone da revolução de maio de 68 na França. A evolução ao longo de 50 anos do que então ele representava desembocou no que hoje chamamos de marxismo cultural. Em maio de 1968 concedeu ele entrevista ao Magazine littéraire da qual transcrevo extratos. “Se quiser, sou marxista, como Bakunin. Sou muito antileninista, contra o centralismo democrático. Existem três temas importantes: a luta contra a repressão democrática, contra o autoritarismo e a hierarquia. Estes três fenômenos se encontram no Leste e no Oeste. Sou contra a sociedade soviética, sou contra a sociedade capitalista. A classe operária russa não tem nenhum poder de decisão. Não me interessa dialogar com o mito Mao. O estalinismo é a forma absoluta de repressão, uma sociedade burocratizada. Lutamos contra a repressão sexual. Marcuse na sua crítica da sociedade capitalista e na sua recusa da sociedade dita socialista é para nós um ponto de apoio”.
De forma muito resumida, é o que o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira no livro “Revolução e Contra-Revolução” intitula 4ª Revolução (sucedânea da 1ª Revolução, a Revolução Protestante, da 2ª Revolução, a Revolução Francesa, e da 3ª Revolução, a Revolução Comunista). E os temas levantados por tais correntes têm relação próxima com o que o pensador católico chama de revolução nas tendências, que em seu ensaio embasa a revolução nas ideias e depois nos fatos — as três profundidades da Revolução.
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