Portal do IPCO
Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

O Papa adverte: “É preciso desconfiar da propaganda socialista”


Por Gustavo A. Solimeo

O Papa é Bento XV (1914-1922) e a advertência foi feita há precisamente cem anos: 11 de março de 1920.

Eis os fatos que deram origem a essa advertencia pontificia.

Em sua ação social, alguns católicos na diocese de Bérgamo tendiam a empregar uma linguagem equívoca, próxima da usada pelos socialistas. Desse modo, havia o do risco de os trabalhadores serem iludidos por uma propaganda enganosa. Ao tomar conhecimento disso, o Papa enviou ao Bispo dessa cidade do Norte da Itália uma carta, na qual urgia o Prelado a corrigir esse desvio e a pôr os fiéis “em guarda contra as insídias dos ‘socialistas’”. O próprio título do documento pontifício já diz tudo: “Epístola Soliti Nos: Sobre a Necessidade de Desconfiar da Propaganda Socialista”.[1]

Embora já velha de um século, a advertência do Papa Bento XV continua perfeitamente atual, pelo que nos parece oportuno apresentar um resumo de seu conteúdo.[2]

Caldo de cultura ideal para a germinação da propaganda socialista e comunista

O pontificado de Bento XV transcorreu num dos mais conturbados períodos da História: a Primeira Guerra Mundial (que ele qualificou de “o suicídio da Europa civilizada “), com todos os seus horrores de morte e destruição, seguida de um sinistro cortejo de revoluções (marcadamente a Revolução bolchevique), agitação política e social, crise econômica, desemprego, miséria e fome, a que se somaram epidemias como a “Gripe espanhola”, uma das mais mortíferas da história da humanidade.

Esse “caos e as mudanças dramáticas que tinham surgido das cinzas da Europa devastada ‒ a queda dos impérios, a criação de novos estados, a tomada da Rússia pelo comunismo”[3] ─ criaram o caldo de cultura ideal para a germinação da propaganda dos socialistas e comunistas: agitação política e social, crise econômica, desemprego, miséria e fome.

A crise na Diocese de Bérgamo

Depois da guerra, a Igreja envidou esforços para diminuir os impactos do conflito: assistência aos prisioneiros de guerra; tratamento de soldados feridos; entrega de alimentos às populações necessitadas; centros para acolher e orientar as centenas de milhares de soldados desmobilizados e amparo a suas famílias.

Assim, o Bispo Bérgamo, D. Luigi Maria Marelli, criou, com a colaboração do Conselho Diocesano, um Escritório Especial do Trabalho para atender às necessidades dos trabalhadores que voltaram da guerra e se achavam desempregados, com suas famílias passando privações.

Entretanto, alguns dos dirigentes desse serviço, perdendo de vista o caráter sobrenatural de sua missão, limitavam-se a dar uma ajuda puramente material aos trabalhadores. Pior ainda, deixaram-se levar pela demagogia revolucionária, aproximando-se da retórica dos socialistas, instigando a luta de classes.

Papa Bento XV tinha experiência própria em relação aos socialistas, adquirida nos quase sete anos como Arcebispo de Bolonha, um dos principais focos de sua agitação na Península. Por isso sentiu-se na obrigação de intervir energicamente, a fim de cortar o mal pela raiz e impedir que ele se propagasse.

A Carta ao Bispo de Bérgamo

Assim, em 11 de março de 1920, o Papa escrevia e ao Bispo de Bérgamo:

“Como estamos acostumados a considerar com particular comprazimento nossos bergamascos, que se destacam de maneira exemplar pela sua vida cristã, foi com verdadeiro desgosto que tomamos conhecimento de alguns rumores negativos relacionados a certa agitação popular que aí teria ocorrido”.

Essa agitação, continua Bento XV, não é espontânea, mas é obra do “inimigo”, que espreita o momento oportuno para “se aproveitar da crise destes tempos infelizes para semear as ervas daninhas em solo tão frutífero”.

Mas dado que a semente ruim, uma vez que se enraizou, pode em tempo sufocar o bom grão, “consideramos nosso dever estrito […] empenhar-nos com toda a nossa força para que ela não se desenvolva”.

Para que as medidas que o Bispo deve tomar sejam acatadas com maior empenho, o Papa  quer que os fiéis saibam que “a Nossa autoridade está apoiando a sua”.

Depois de aprovar calorosamente a criação do Escritório para a assistência aos trabalhadores que voltaram da guerra e se achavam desempregados, o Pontífice adverte:

“Instituição realmente excelente e muito útil se seu funcionamento for regulado de acordo com os ditames da religião; caso contrário, infelizmente, sabe-se quais e quantas desordens podem causar à sociedade”.

E continua:

“É necessário, portanto, que os dirigentes desse Escritório, tão intimamente relacionado com o bem comum, tenham sempre diante dos olhos e observem escrupulosamente os princípios da ciência social inculcados pela Santa Sé na memorável Encíclica Rerum Novarum e em outros documentos.”

O Papa Bento XV diz ser preciso que eles se lembrem especialmente de alguns pontos fundamentais:

‒ que nesta curta vida mortal, a ninguém é dado ser verdadeiramente feliz, pois a felicidade verdadeira, perfeita e eterna nos espera apenas no céu, como recompensa para aqueles que viveram bem;

‒ em conseqüência, todas as nossas ações devem tender para esse objetivo;

‒ portanto, em vez de sermos tão ciosos de nossos direitos, devemos considerar o cumprimento de nossos deveres;

‒ por outro lado, podemos melhorar nossa condição nesta vida mortal e obter maior bem-estar; mas, para o bem comum, nada é mais benéfico do que a harmonia e a concórdia entre todas as classes sociais, o que se consegue com a caridade cristã.

“Aqueles que jogam os pobres contra os ricos prejudicam os interesses dos trabalhadores”

Bento XV adverte aqueles dirigentes quanto a evitar a acrimônia da linguagem dos “nossos adversários”, isto é os socialistas, que jogam os pobres contra os ricos. Com isso, em vez de ajudar os trabalhadores, prejudicam seus interesses:

“Vejam, portanto, como prejudicariam os interesses dos trabalhadores aqueles que, tendo em vista melhorar suas condições, estivessem apenas dispostos a ajudá-los a alcançar os bens passageiros; e não só negligenciassem em moderar suas aspirações com o apelo aos deveres cristãos, mas ainda procurassem incitá-los cada vez mais contra os ricos com a acrimônia da linguagem que é normalmente usada pelos nossos adversários para excitar as multidões à revolução social.”

Evitar a intemperança da linguagem própria dos socialistas

O Papa insiste em que os católicos devem afastar-se da intemperança de linguagem própria dos socialistas:

“Para obviar um perigo tão grave, Venerável Irmão, terás cuidado de indicar, como já fazes, àqueles que se dedicam a defender a causa dos trabalhadores que eles, guardando-se bem de empregar a intemperança da linguagem própria dos ‘socialistas’, devem desenvolver uma ação e uma campanha toda impregnada com o espírito cristão; sem isso, eles podem fazer muito mal, e certamente nenhum bem”.

E manda adotar medidas contra os recalcitrantes:

“Temos a esperança de que todos serão obedientes; e se alguém se recusar a obedecer, Tu o removerás sem mais do cargo”.

“É dever dos sacerdotes combater estes inimigos da fé católica e da sociedade”

Bento XV é categórico: os padres, sobretudo os párocos, não podem ficar de braços cruzados ante a propaganda socialista.

Pelo contrário, diz ele,

“É portanto dever dos sacerdotes, e sobretudo dos párocos, opor-se energicamente a estes inimigos muito perigosos da fé católica e da sociedade, combatendo-os unidos e compactos sob a tua liderança, Venerável Irmão”.

 E prossegue desfazendo a objeção de que não cabe aos sacerdotes ocupar-se de questões de caráter temporal, como o socialismo:

“Ninguém deve crer que isto é alheio ao ministério sagrado, por ser uma questão econômica, pois é precisamente por isso que existe um risco próximo para a salvação eterna das almas”.

Os padres devem colocar os fiéis em guarda contra as insídias dos socialistas

Bento XV manda também que os padres alertem os fiéis quanto às armadilhas da propaganda socialista:

“Ao mesmo tempo, procurem eles ensinar acuradamente aos seus fiéis as normas da vida cristã, colocando-os em guarda contra as insídias dos ‘socialistas’, promovendo também o seu melhoramento econômico, recordando sempre aquilo que a Igreja recomenda: ‘Procuremos passar pelos bens temporais, sem perder os eternos’.”

São José, Protetor celeste contra o contágio do socialismo

O Papa Bento XV complementa estas normas em documento posterior, no qual não se limitou a condenar o socialismo, “o inimigo mais acérrimo dos princípios cristãos”. Ele deu um Padroeiro na luta contra socialismo e comunismo: São José.

Com efeito em 25 de julho do mesmo ano, na ocasião do cinqüentenário da proclamação de São José como Patrono da Igreja Universal, ele publicou o Motu Proprio Bonum Sane.

Nesse novo documento, o Papa  se refere à carta ao Bispo de Bérgamo. Depois de descrever os avanços da imoralidade e da propaganda socialista, ele propõe São José como Protetor celeste contra o contágio do socialismo:

“Assim, vemos com verdadeira dor que agora os costumes públicos são muito mais depravados e corruptos do que antes, e que, portanto, a chamada ‘questão social’  foi agravada a tal ponto que engendra a ameaça de ruínas irreparáveis. Com efeito, amadureceu nos desejos e nas expectativas dos mais sediciosos a chegada de uma certa república universal, fundada na absoluta igualdade dos homens e na comunhão dos bens, e na qual já não há distinção de nacionalidade; a autoridade do pai sobre os filhos não é reconhecida, nem do poder público sobre os cidadãos, nem de Deus sobre os homens reunidos na sociedade civil. […]

“Preocupados mais do que tudo com o curso desses eventos, não negligenciamos, quando surgiu a oportunidade, lembrar aos filhos da Igreja os seus deveres, como fizemos recentemente com a carta dirigida ao Bispo de Bérgamo e aos Bispos da região Vêneta. E agora pela mesma razão, isto é, para lembrar aos homens … que ganham o pão com o trabalho, para os manter imunes ao contágio do socialismo, o inimigo acérrimo dos princípios cristãos, Nós com grande solicitude lhes propomos de maneira especial São José, para que o sigam como seu guia especial e o honrem como seu Patrono celestial”.[4]

 Mês de Março: Invocar São José na luta contra o comunismo e o socialismo

O mês de março é tradicionalmente dedicado a São José, esposo da Virgem Maria, modelo de pai, esposo, protetor da família e dos trabalhadores, além de Patrono da Igreja.

Ora, um dos maiores inimigos da família, dos trabalhadores e da Igreja é o socialismo, “o inimigo mais acérrimo dos princípios cristãos”.

 Portanto, nada nos parece mais oportuno do invocar São José durante este mês como Padroeiro na luta contra o comunismo e o socialismo.

De modo especial, rezemos a ele pedindo que os católicos de hoje se ponham “em guarda contra as insídias dos ‘socialistas’.

 


PIO XI: 

“COLOCAMOS A LUTA DA IGREJA CONTRA O COMUNISMO SOB A PROTEÇÃO DE S. JOSÉ”

 O Papa Pio XI, na sua encíclica Divini Redemptoris de 1937, colocou a ação da Igreja contra o comunismo, a forma mais radical de socialismo, sob a proteção de S. José:

E, para apressar a “Paz de Cristo no Reino de Cristo”, por todos tão desejada, pomos a grande ação da Igreja Católica contra o comunismo ateu mundial sob a égide do poderoso Protetor da Igreja, São José. Ele pertence à classe operária e experimentou o peso da pobreza, em si e na Sagrada Família, de que era chefe vigilante e afetuoso; a ele foi confiado o Deus Menino, quando Herodes mandou contra ele os seus sicários. Com uma vida de fidelíssimo cumprimento do dever cotidiano, deixou um exemplo de vida a todos os que têm de ganhar o pão com o trabalho de suas mãos e mereceu ser chamado o Justo, exemplo vivo daquela justiça cristã, que deve reinar na vida social.[5]

[1] Epistola Soliti Nos del Papa Benedetto XV al R. P. Luigi Maria Marelli, Vescovo di Bergamo Sulla Necessità di Diffidare della Propaganda dei Socialisti, 11 marzo 1920. (Epístola Soliti Nos do Papa Bento XV ao R. P. Luigi Maria Marelli, Bispo de Bérgamo Sobre a Necessidade de Desconfiar da Propaganda Socialista, 11 de março de 1920 ─ Tradução nossa). Acessado em 20/02/2020 10:24


http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xv/letters/1920/documents/hf_ben-xv_let_19200311_soliti-nos_it.html

[2] Trata-se de um documento pouco conhecido e não existe tradução oficial do original italiano para outras línguas.

[3] World War I’s Pope Benedict XV and the pursuit of peace by Terry Philpot. Jul 19, 2014. Acessado em 2/19/2020 10:18 AM  https://www.ncronline.org/news/justice/world-war-pope-benedict-xv-and-pursuit-peace.

 

[4] Motu Proprio di Sua Santita Benedetto XV Bonum Sane:  La Devozione a San Giuseppe, da Mezzo Secolo Patrono della Chiesa Cattolica. http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xv/motu_proprio/documents/hf_ben-xv_motu-proprio_19200725_bonum-sane_it.html. 2/19/2020 10:28 AM

 

[5] Carta Encíclica Divini Redemptoris de Sua Santidade Pio XI Sobre o Comunismo Ateu. http://w2.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19370319_divini-redemptoris.html

 

 

 

Detalhes do artigo

Autor

Gustavo Solimeo

Gustavo Solimeo

18 artigos

Licenciado em História pela Universidade de São Paulo. Ex-Secretário de Redação e atual colaborador da revista de cultura "Catolicismo". Membro Titular da Academia Marial de Aparecida.

Categorias

Tags

Esse artigo não tem tag

Comentários

Seja o primeiro a comentar!

Comentários

Seja o primeiro a comentar!

Tenha certeza de nunca perder um conteúdo importante!

Artigos relacionados