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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Dossiê: Para onde conduzem as manifestações que abalaram o Brasil?


Dossies

As manifestações de protesto ocorridas no Brasil a partir de 11 de junho — com passeatas, cânticos, slogans, cartazes, mas sem carros de som — encheram as ruas de numerosas cidades, sobretudo das capitais, prolongando-se ao longo do mês e adentrando julho. Elas saturaram as páginas dos jornais e os programas de televisão, fizeram transbordar a internet com seus sites, blogs, twiters, facebooks e o que mais se queira, e extravasaram, por fim, para o Exterior.

Índice

Introdução
Estudo cuidadoso de uma erupção vulcânica
Uma organização anárquica, ecológica e autogestionária
A grande surpresa
Uma vaia desvenda a realidade
“A vaia sai às ruas” e até a Copa é visada
MPL como barata tonta
Contra uma “ditadura difusa”
A “contribuição” dos vândalos
CNBB vê “desigualdade”
Lula, Dilma, Haddad e Alckmin na berlinda
O governo do PT tenta cooptar o movimento popular
Políticos se dividem
A miragem frustra
Sindicatos, MST e bolsa protesto
Problemas-chave: falta de representatividade e descontentamento
Um livro profético
A fratura prevista por Plinio Corrêa de Oliveira
Descontentamento na União Soviética como no Brasil
Manifestações menores, porém significativas
O aspecto imprevisível do futuro
O aspecto previsível do futuro
Analisando os acontecimentos com os olhos da fé

Introdução

Manifestações no Brasil

O número incomum de participantes nas recentes manifestações (na casa do milhão), sua persistência dias e semanas a fio, a predominância da classe média e a pluralidade das reivindicações deixaram atônitos analistas e comentaristas, políticos, dirigentes de todos os níveis e, por vezes, os próprios manifestantes.

— O que está acontecendo? Pululavam as perguntas, rareavam as respostas.

“Este movimento que aí está não dá para não perceber. Os interesses e as ideias de cada qual são díspares, desencontrados uns dos outros, como seria de esperar numa sociedade que não mais reflete sobre si, que destituiu a política da sua dignidade e converteu os partidos políticos em instrumentos sem vida, máquinas eleitorais especializadas na reprodução política dos seus quadros”.(1)

Leitores nos pedem uma palavra explicativa. Não nos furtamos a dá-la. E é nas considerações feitas por Plinio Corrêa de Oliveira a respeito dos acontecimentos que, segundo ele já previa, ocorreriam em nossa pátria, que encontramos base para uma resposta, algo à maneira de uma chave para interpretar o que se passa no Brasil de hoje. E tais considerações vão além. Se de um lado explicam o fundo de tudo aquilo que temos visto nas ruas e praças de nossas cidades nestes últimos meses, de outro lado ultrapassam as contingências de momento, para situar-se no patamar mais elevado que interpreta o que é autenticamente o modo de ser brasileiro. Por isso não titubeamos em qualificar tais considerações de verdadeiramente proféticas.

Antes disso, porém, é preciso que desçamos ao campo dos fatos, pois sem uma avaliação cuidadosa da realidade, corre-se o risco de ficar em generalidades e não entendermos bem o que se passou (e se passa) neste nosso Brasil, tão pacato e ameno, mas tão complexo.

Estudo cuidadoso de uma erupção vulcânica

“Essas manifestações traziam consigo outras motivações que não se revelaram no primeiro momento…”

 

Não se trata de fazer um relato minucioso do dia-a-dia dos acontecimentos. Tal tarefa seria de desmesurada extensão, cansativa para o leitor e, no total, de pouco interesse.

Importa conhecer, isto sim, os fatos marcantes, a linha geral seguida pelas manifestações, seus componentes principais, suas contradições reais ou aparentes, a repercussão que tiveram os acontecimentos.

Acompanhamos cuidadosamente o desenrolar dos fatos e mantivemos sobre eles um debate constante com colaboradores de Catolicismo e com amigos devotados do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira. Além disso, recolhemos um caudal de repercussões, opiniões, análises, críticas, inclusive vindas do Exterior, para enriquecer e matizar nossa própria visão dos acontecimentos.

Neste estudo citamos apenas alguns dos numerosos pronunciamentos que temos colecionado, mas em quantidade suficiente para o esclarecimento do leitor. Pois é mister conhecer um número significativo de opiniões diversas para poder dar-se conta do tamanho da perplexidade gerada pela erupção inesperada desse vulcão surgido das entranhas insuspeitadas da terra brasileira.

Uma organização anárquica, ecológica e autogestionária

Iniciadas após um moderado aumento das passagens de ônibus, metrôs e trens suburbanos — apenas R$ 0,20 em São Paulo, abaixo da inflação —, as primeiras manifestações foram convocadas para pedir o cancelamento desse aumento. Elas eram lideradas pelo Movimento Passe Livre (MPL), praticamente desconhecido da massa dos brasileiros, mas profundamente revolucionário, no pior sentido do termo. Gerado nas obscuras entranhas do Fórum Social de Porto Alegre em 2005, o MPL é um movimento anárquico(2) cujo objetivo é a implantação de uma sociedade autogestionária e ecológica que vá além do comunismo.

Líderes do MPL procuraram o Greenpeace para pedir orientações sobre como organizar protestos e receberam uma aula de ativistas desse movimento ecológico-revolucionário.(3)

Da convocação feita pelo MPL participaram, além do conhecido Partido dos Trabalhadores (PT), outras legendas menores, como o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e o Partido da Causa Operária (PCO).(4) Portanto, aquilo que a esquerda consegue aglutinar de mais extremamente comunista no Brasil. Punks, feministas e homossexuais também engrossaram as fileiras da manifestação.

A meta era óbvia: começar com um movimento pela derrogação do aumento das passagens e estender depois as reivindicações para campos sempre mais extensos e mais à esquerda, na tentativa de abalar as estruturas sociais e econômicas do País, ou pelo menos lhes dar uma primeira chacoalhada; sempre com vistas a um comunismo anárquico, sua meta final. O método passaria por uma democracia direta, impulsionada por líderes revolucionários, sob o olhar complacente das autoridades.

Se as manifestações alcançassem êxito, seria para o PT como sopa no mel, pois a pretexto de seguir a vontade popular, o governo Dilma Rousseff poderia impor ao Brasil uma agenda chavista-bolivariana, tão cara a Lula da Silva, mas que vem encontrando oposições crescentes na opinião pública nacional.

A grande surpresa

A ocasião parecia propícia: inflação em alta, poder aquisitivo das pessoas diminuindo, efervescência no campo em decorrência da agitação promovida entre os índios pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), invasões de prédios urbanos por membros dos movimentos sem-teto conduzidos em grande parte pela esquerda católica. O MPL acreditava ainda no apoio que lhe viria da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), tradicionalmente na vanguarda — e por vezes na origem — dos movimentos da esquerda mais ardida. A montagem parecia, como dizem os castelhanos, inmejorable.

A surpresa veio quando o movimento de protesto tomou características insuspeitadas. Primeiramente quanto ao número de participantes — acima de toda expectativa — e sua perseverança dias a fio; depois, quanto à qualidade dos manifestantes — provenientes em grande número da classe média; por fim, quanto à pluralidade das reivindicações — muitas delas de caráter antes conservador que “progressista”.

“Nada houve de espontâneo na etapa inicial. Os movimentos pelo ‘passe livre’ são constituídos por autointitulados ‘anarquistas’, seitas esquerdistas e jovens indignados que se movem à margem dos aparelhos da esquerda oficial (PT, PCdoB, sindicatos, UNE) […] Mas a escala faz a diferença: ‘Brasil, vamos acordar, o professor vale mais que o Neymar’, cantou-se em São Paulo. Na segunda-feira, o ‘passe livre’ já era só um pretexto coletivo para manifestações que exigiam o reconhecimento de um ‘direito ao protesto’ e exprimiam uma frustração difusa e crescente. As quimeras das seitas esquerdistas tornaram-se inaudíveis nos protestos de multidões”.(5)

“O clamor das turbas ganha volume em todo o País, a denotar insatisfação com o establishment. Os tempos são outros”.(6)

“Essas manifestações traziam consigo outras motivações que não se revelaram no primeiro momento. Logo pôde-se ver que o aumento das tarifas foi apenas o detonador de um descontentamento maior que põe em questão o próprio sistema político que nos governa”.(7)

Uma vaia desvenda a realidade

Em 15 de junho, na abertura da Copa das Confederações no Estádio Nacional de Brasília, a presidente Dilma Rousseff foi solenemente vaiada pelo público por três vezes, ficando visivelmente constrangida.
Em 15 de junho, na abertura da Copa das Confederações no Estádio Nacional de Brasília, a presidente Dilma Rousseff foi solenemente vaiada pelo público por três vezes, ficando visivelmente constrangida.

Para o prefeito petista de São Paulo, Fernando Haddad, “as bandeiras conservadoras já vinham se expressando no Brasil, sobretudo nas eleições. E agora elas ganharam expressão fora do período eleitoral, o que é uma novidade”.(8)

Falando sobre as manifestações de rua no Brasil, o escritor e jornalista francês Gilles Lapouge afirma que “a ciência política não dispõe de instrumentos que expliquem choques da magnitude do atual. Nem Tocqueville nem Karl Marx nem Raymond Aron nos ofereceram as chaves desses movimentos. O Brasil ‘não está jogando o jogo’ previsto pelos teóricos da política”.(9)

Em 15 de junho, na abertura da Copa das Confederações no Estádio Nacional de Brasília, a presidente Dilma Rousseff foi solenemente vaiada pelo público por três vezes, ficando visivelmente constrangida. Para evitar novas vaias, a presidente não compareceu à final do campeonato, vencida pelo Brasil contra a Espanha. Entretanto, na “Marcha para Jesus”, dos evangélicos, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, ao anunciar que estava ali em nome da presidente Dilma, foi fortemente vaiado.

Igualmente em 10 de julho, em Brasília, na Marcha dos Prefeitos, evento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Dilma foi vaiada pela plateia de prefeitos, não obstante acabasse de lhes destinar polpudas verbas.

Ademais, os institutos de pesquisa começaram a mostrar que o prestígio da presidente caía vertiginosamente: 27 pontos (de 57% para 30%) em três semanas. Antes das manifestações ele já havia caído oito pontos. Portanto, despencou 35 pontos (mais da metade dos 65 que tinha de aprovação) em tempo recorde. Alguns se perguntaram se o prestígio tinha caído mesmo, ou se foi apenas uma adaptação à realidade, em face de uma popularidade antes inflacionada.

“A perda de mais da metade da popularidade deixa o PT em pânico, desequilibra as peças no PMDB e mexe com os cálculos de toda ordem na complexa base aliada”.(10)

“A vaia sai às ruas” e até a Copa é visada

os recursos exagerados para a Copa ganharam papel saliente nos brados e cartazes da multidão
os recursos exagerados para a Copa ganharam papel saliente nos brados e cartazes da multidão

O MPL sentiu que as rédeas lhe escapavam das mãos. Seus aliados da esquerda, quando apareciam com suas bandeiras e insígnias partidárias, eram rechaçados, seus slogans a favor da reforma agrária e da reforma urbana não encontravam eco nos manifestantes. Em seu lugar, faziam-se ouvir brados como “abaixo o PT”, “abaixo Dilma”, “fora Renan Calheiros”, “abaixo os políticos”. O combate à corrupção, a defesa dos professores mal remunerados, os recursos exagerados para a Copa ganharam papel saliente nos brados e cartazes da multidão, efeito não previsto nem desejado pelos organizadores.

A falta de punição aos réus do mensalão também causava mal-estar, acentuado depois que o ministro Dias Toffoli declarou que a conclusão do processo poderia levar ainda dois anos.(11) Houve até grupos que pediam a volta do regime militar. Bandeiras do PT e do PCR (Partido Comunista Revolucionário) foram pisoteadas ou queimadas.

Em sentido contrário, a bandeira nacional passou a ser empunhada por um número crescente de manifestantes: sintoma em desuso em manifestações anteriores e revelador de anseios patrióticos mais profundos da população, cansada em deparar-se com bandeiras de partidos políticos vazios e desgastados.

“Estamos atordoados. O Brasil não é um país de sair à rua, salvo em Mundiais. Que saia agora, em massa, ainda por cima para protestar também contra as obras da Copa, é de atordoar qualquer um. O que já está evidente é que a vaia ouvida no sábado no estádio Mané Garrincha saiu às ruas”.(12)

Segundo o Prof. Wolfgang Leo Maar, titular de Ética e Filosofia política da Universidade Federal de São Carlos (SP), “a novidade não é a mobilização popular. A novidade é a visão conservadora despertada para a mobilização popular”.(13)

MPL como barata tonta

Capa 3Afinal, o que está havendo? — indagava o MPL. Mas não só ele; representantes da mídia, políticos, CNBB e a população em geral faziam análoga pergunta. Uma das organizadoras do Passe Livre, Nina Cappello, deplorou que os dirigentes haviam perdido o controle da manifestação.(14)

A tal ponto, que num primeiro momento o MPL desistiu de continuar os protestos: “Após uma mudança no perfil dos manifestantes na quinta-feira, o grupo [MPL] publicou nota de que não concordava com a postura de alguns manifestantes e reafirmou sua origem de esquerda. Um dos líderes chegou a dizer no Instituto de Estudos Avançados da USP, que o movimento foi raqueado pela direita, que ele próprio havia parado de ir para a rua e que agora era preciso ‘controlar o monstro que pôs na rua’”.(15)

Outros integrantes do MPL acrescentaram que o motivo de suspender as manifestações “é a participação de ativistas de causas não apoiadas pelo grupo, como criminalização do aborto e redução da maioridade penal”, De acordo com Rafael Siqueira, também do MPL, o grupo “considera que surgiram pessoas com objetivos conservadores, incompatíveis com o pensamento do Passe Livre”.(16)

Contra uma “ditadura difusa”

Como as manifestações prosseguiram sem o MPL, os dirigentes deste voltaram atrás, dizendo que não estavam suspendendo os protestos, os quais continuaram mesmo após vários prefeitos e governadores terem anunciado que ficava sem efeito o aumento das passagens de ônibus, metrô e trens suburbanos.

O Instituto Datafolha informou que os manifestantes são brasileiros e estrangeiros, jovens e idosos, aposentados e estudantes, filiados a partidos políticos e “sem-partido”, membros de um movimento ou lutando por uma causa própria. O retrato dos manifestantes é de uma insatisfação generalizada.(17)

“Isso pode ser o início de uma ‘primavera brasileira’. Contra ditadores? Em parte sim, uma ditadura difusa, ditada por entendimentos silenciosos que formam uma rede de interesses mutuamente atendidos. Nossa rede corrupta tem uma lógica complexa, mas sólida, em que a perversão pavorosa do Congresso se soma à incompetência tradicional dos petistas e sindicalistas do Executivo e um STF querendo acordar, sob uma chuva de embargos”.(18)

Comenta a jornalista Miriam Leitão: “O movimento é heterogêneo, apartidário, sem lideranças claras. As reivindicações são muitas. O Brasil sofre uma aguda crise de representação política […] O maior erro dos jornalistas e das pesquisas de opinião foi não ter percebido o avanço do descontentamento”.(19)

As repercussões no Exterior foram múltiplas, até no Vaticano. Veja-se esta, de um jornal espanhol: “O governo está perplexo. Ninguém esperava que esta multidão, formada por pessoas de todas as idades e de todos os grupos sociais, saísse de repente às ruas para dizer: ‘Queremos mudar o Brasil’”.(20) Comparações foram feitas com as manifestações na Turquia, no Egito e com a Primavera Árabe, mas sem aprofundarem o tema.

A “contribuição” dos vândalos

Houve depredação do Palácio do Itamaraty, em Brasília
Houve depredação do Palácio do Itamaraty, em Brasília

Ademais, alguns grupos de militantes — que alguns qualificaram como infiltrados e outros como fazendo parte dos planos iniciais para criar baderna, tornando os protestos mais incisivos — promoveram saques, destruições, roubos e vandalismos de todo gênero. Ônibus foram queimados e as forças da ordem hostilizadas. O policial Wanderlei Paulo Vignoli foi apedrejado e violentamente agredido aos gritos de “lincha, lincha, tira a arma dele, mata”.(21) Para se defender, ele chegou a apontar a arma para os agressores. Mas não atirou, sendo por isso elogiado.

Tais grupos também atiraram pedras contra edifícios, quebrando suas vidraças, destruíram pontos de ônibus e atingiram estações do metrô. Segundo o jornalista Marco Antonio Vila “o ‘movimento’ está desesperadamente procurando um cadáver”.(22)

Houve depredação do Palácio do Itamaraty, em Brasília, tentativa de invasão das prefeituras de Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo, bem como da Assembleia Legislativa do Rio, que resultou em móveis e vitrais franceses originais destruídos, com um prejuízo estimado em 2 milhões de reais.(23)

Tal situação levou a polícia a endurecer a repressão aos vândalos, por meio de balas de borracha, gás, bombas de efeito moral, sendo então asperamente criticada pela mídia. Passou depois a uma atitude mais passiva, apenas de acompanhamento das passeatas, pois parecia intimidada pelas repercussões na imprensa, sempre tendente a condenar a ação das forças da ordem.

CNBB vê “desigualdade”

A CNBB também se pronunciou e, como era esperado, depois de criticar a violência, incentivou as manifestações em seus aspectos mais esquerdistas. Em seu comunicado, ela diz, por exemplo, que as mobilizações “atestam que não é possível mais viver num país com tanta desigualdade”, sem distinguir as desigualdades proporcionais e legítimas das injustas.(24) Na mesma linha, o bispo de Jales (SP), D. Demétrio Valentini, escrevia: “Queremos participar da elaboração de um projeto de país que corresponda aos sonhos de maior igualdade social”.(25)

Enquanto isso, o prestígio do governo desabava, como constatou o Instituto Datafolha: “Há dez anos, 51% dos habitantes da capital paulista achavam que o Executivo (Presidência e ministérios) tinha muito prestígio. Em 2007, o percentual caiu para 31%. Hoje, são apenas 19%. Essa década analisada pelo Datafolha coincide com a administração do PT no Planalto”. (26) Sobre a queda de prestígio da presidente Dilma, já nos referimos acima.

A perplexidade era geral. “Sejamos francos: ninguém está entendendo nada. Nem a imprensa nem os políticos nem os manifestantes”.(27) “Ninguém pode determinar com precisão o motivo dessas manifestações. Dizem que há inflação e superfaturamento, inclusive nos estádios de futebol. Todos os políticos ficaram iguais no seu narcisismo e na sua surdez”.(28)

“Se há um reconhecimento consensual de que o aumento das passagens foi um simples detonador, nenhuma autoridade, de nenhuma instância, soube até agora ao menos arriscar uma avaliação do que está acontecendo no país. […] O que está ocorrendo no Brasil? Por enquanto, a única resposta é que há uma insatisfação e uma irritação difusas e até então não devidamente percebidas. O momento não é de respostas, é de dúvidas, de interrogações. Dilma simplesmente não tem o que dizer. Aliás, ninguém tem. A palavra está com os manifestantes, mas são tantos e tão diferentes que talvez nem eles tenham ainda respostas. Algo ocorre. O quê, ninguém sabe exatamente”.(29)

Lula, Dilma, Haddad e Alckmin na berlinda

Capa 5Fatos antes impensados ocorreram. Seiscentas pessoas protestaram em frente ao prédio de Lula em São Bernardo do Campo, enquanto em São Paulo, na Sé, pedia-se a renúncia da presidente Dilma Roussef. “Fora Dilma, fora Dilma!”, e queimavam-se bonecos com a cara do prefeito Fernando Haddad (PT) e do governador Geraldo Alckmin (PSDB).(30) A tal ponto que José Arthur Giannotti, professor emérito de Filosofia da USP, pôde escrever: “Está morto o projeto lulopetista […] ele se esgotou na repetição esclerosada, na incapacidade de se ajustar às novas situações que ele mesmo, às vezes, propiciou”.(31)

O conhecido economista Carlos Alberto Sardenberg relata o fato de uma moça que colocou em xeque a própria existência das chamadas bolsas famílias: “A gente paga IPTU, tanto imposto, e o governo fica dando dinheiro para quem não trabalha. Dar emprego, tudo bem, mas dar bolsa não é justo, o senhor não acha?” — exclamou ela.(32)

Nesse ambiente, é alvissareiro constatar que voltam à tona conceitos e palavras que haviam desaparecido do quotidiano da mídia e do trato em geral, como (des)honra, (des)pudor, respeito, (a)moralidade, vulgarização dos modos, princípios. Vejamos.

“As ruas começaram a falar sobre aumento nas tarifas e os péssimos serviços dos transportes públicos, mas seguem falando de muito mais: de corrupção, de descaso, de desmandos, de desonra, de desvios de conduta. […] Na política os Poderes abusaram do despudor, os valores foram dissolvidos. As pessoas não querem apenas de volta a estabilidade na economia. Elas desejam também recuperar o respeito perdido, a dignidade aviltada pela vulgarização dos modos e a celebração da esperteza. Lula, que representava a esperança, que foi uma referência, acabou encarnando o personagem do herói sem princípios que a todos vence mediante o uso de quaisquer meios, liderou um processo de rebaixamento dos padrões a níveis nunca vistos, incorporou a amoralidade como regra cotidiana”.(33)

O governo do PT tenta cooptar o movimento popular

Os mais de 10 anos de governo do PT, com sua tendência estatizante e seu aparelhamento do Estado, agravaram enormemente o descontentamento no País. Agora, ante a onda de reclamações, esse mesmo governo tenta cooptar o movimento por meio de lançamentos bombásticos e aventureiros, como a convocação de uma Constituinte (ideia logo abandonada por ser inconstitucional). Mais modestamente, a presidente Dilma quis então levar à frente um plebiscito imediato sobre a reforma política, para valer já em 2014, o qual também se mostrou inviável.

“O governo prefere apresentar o plebiscito sobre a reforma política como a solução para todos os males do país e insistir em que as eventuais novas regras passem já a valer na eleição de 2014, mesmo sabendo que dificilmente haverá condições de ser realizado a tempo”.(34)

“Ao sugerir um plebiscito com perguntas diretas, o Planalto […] poderá atrair mais críticas dos que veem nas iniciativas de democracia direta um flerte com o pior do bolivarianismo preconizado pelo já morto Hugo Chávez”.(35)

“O plebiscito é uma fuga para frente, isto é, não podendo ou querendo fazer o possível agora, dilui-se o desafio na geleia geral das coisas remotas e impossíveis”.(36)

Políticos se dividem

Na realidade, surfando as manifestações, o governo buscava aplicar o programa do PT, como se isso pudesse atender a voz das ruas. Ledo engano ou passa-moleque? O partido chegou a incentivar a cobrança de impostos sobre as grandes fortunas — medida de caráter comunista, que ninguém pediu — para financiar o atendimento das reivindicações populares!

Essa dificuldade da esquerda em açambarcar o movimento das ruas acabou por produzir divisões entre os políticos, inclusive dentro do PT. “A equipe do prefeito Fernando Haddad (PT-SP) rachou em relação à reação que ele deveria ter quando as passeatas pelo passe livre começaram. Uma parte, seguida pelos irmãos Tatto e até pelo grupo da vice-prefeita, Nádia Campeão (PCdoB-SP), apoiava o endurecimento, julgando que o movimento estava sendo ‘instrumentalizado pela direita’. A ‘ala jovem’ e secretários mais ligados ao próprio Haddad chiaram”.(37)

O ex-presidente Lula da Silva foi o grande ausente nesses acontecimentos. Tão loquaz e opinativo a respeito de tudo, ele se limitou a observações mínimas e sem importância. Por quê? A imprensa levantou diversas hipóteses. Ele estaria com a popularidade em queda livre e preferia não aparecer, ou teria achado mais prudente agir nos bastidores, ou então estaria doente e muito cansado. O fato é que não se falou mais nas antes anunciadas festas pelo aniversário do PT e pelos dez anos do partido no poder.

A miragem frustra

Na elaboração da miragem segundo a qual as manifestações visariam sobretudo ações em favor da esquerda, a presidente passou a receber militantes dos movimentos impropriamente chamados “sociais” (muitos deles, na verdade, são anti-sociais), como se tais agremiações representassem a multidão que saiu às ruas!

“Na lista dos que foram ou serão recebidos estão organizações recentes, como o MPL (Movimento Passe Livre), mas principalmente militantes com relações antigas e desgastadas com o PT, como gays, indígenas, camponeses, feministas e ativistas digitais”.(38)

Um dos líderes do MST, Gilmar Mauro, deu uma longa entrevista a respeito dos protestos. Destacamos algumas de suas frases: “As manifestações pegaram a esquerda e os movimentos sociais fragmentados. Vamos para as ruas disputar espaços com a direita. Não daremos nenhum passo atrás e nem entregaríamos o poder à direita. Esse é o limite. E se houver uma tentativa de impeachment para derrubar o governo, resistiremos do jeito que for necessário. O importante é unificar trabalhadores rurais e urbanos numa pauta comum”.(39)

Essa “pauta comum” deu seus primeiros passos. Muito incomodada com a péssima imagem que resultou para o PT e demais partidos satélites das últimas manifestações, a esquerda programou um “revide” para mostrar que ainda tinha força e garra. Não alcançou êxito. Vejamos.

Sindicatos, MST e bolsa protesto

Com o pomposo título de “Dia Nacional de Lutas”, as principais centrais sindicais do Brasil (CUT, Força Sindical, CTB, CGTB, UGT e Conlutas), juntamente com o MST e os “sem-teto”, convocaram para o dia 11 de julho uma greve geral acrescida de manifestações
Com o pomposo título de “Dia Nacional de Lutas”, as principais centrais sindicais do Brasil (CUT, Força Sindical, CTB, CGTB, UGT e Conlutas), juntamente com o MST e os “sem-teto”, convocaram para o dia 11 de julho uma greve geral acrescida de manifestações que não corresponderam à expectativa dos organizadores

Com o pomposo título de “Dia Nacional de Lutas”, as principais centrais sindicais do Brasil (CUT, Força Sindical, CTB, CGTB, UGT e Conlutas), juntamente com o MST e os “sem-teto”, convocaram para o dia 11 de julho uma greve geral acrescida de manifestações. O pretexto era diminuir as horas semanais de trabalho, reforma agrária, além de outros pontos. Na realidade, tratava-se de uma pretendida demonstração de força. Eles conseguiram arrebanhar os militantes de sempre, mas nada que se comparasse, nem de longe, às manifestações multitudinárias de junho e começo de julho.

À imitação da Bolsa Família, que infla de modo artificial o eleitorado do PT, foi preciso inventar ad hoc uma espécie de Bolsa Protesto que escorregasse um dinheirinho para atrair oportunistas ou necessitados. O Portal Terra detectou pelo menos 100 manifestantes que receberam dinheiro para participar da manifestação em São Paulo, pagos pelas centrais sindicais ou por sindicatos. Alguns falam em R$ 50 outros em R$ 70. Ou seja, parece ter havido uma ‘terceirização’ de manifestantes!

Os brados de guerra dos líderes não encontravam repercussão na plateia. A maioria das pessoas não prestava atenção, não aplaudia, não vaiava, não puxava refrões. A exceção eram pequenas claques, que erguiam bandeiras quando seu presidente falava […] Uma representante da CUT desfilou durante algum tempo diante do carro de som com um rolo de bandeiras debaixo do braço, procurando militantes para empunhá-las. Não encontrou”.(40)

Segundo a imprensa, já na véspera as “centrais sindicais acertaram que a presidente Dilma Rousseff deverá ser poupada de críticas ácidas”. Mas no total não ficou bem para o governo, pois as centrais sindicais são ricas e não se sabe quem está por detrás dessas manifestações.

Os manifestantes bloquearam numerosas rodovias em 18 estados, interrompendo o trânsito por algumas horas. Em Belo Horizonte, os organizadores esperavam 30 mil manifestantes. Apareceram quatro mil, segundo a Polícia Militar. Em São Paulo, no auge da manifestação, havia sete mil. O maior contingente — calculado em 10 mil — foi reunido no Rio, onde houve confrontos; grupos anarquistas atacaram até a Polícia, fizeram barricadas e depredaram bens públicos e privados.

Problemas-chave: falta de representatividade e descontentamento

Passamos agora a analisar o ponto que foi objeto de apreciação praticamente unânime da parte de cientistas políticos, comentaristas e jornalistas em geral: os manifestantes de junho, jovens em sua maioria, não se sentiam representados por nenhum partido político, sindicato de classe ou ONG de qualquer espécie. Muito menos pela imprensa.

“Os jovens não se sentem representados por nenhuma instituição e desconfiam de todas. Tampouco a imprensa lhes merece crédito”.(41)

Não nos representa! Não nos representa! é o refrão mais repetido na cacofonia de pleitos dos cartazes das manifestações”.(42)

Estamos ante um “povo irritado, indignado e furioso, mais ainda por sentir-se impotente nas mãos de políticos que não são representativos senão deles mesmos”.(43)

Em face de tudo quanto até aqui nos foi dado constatar ― o caráter multiforme das manifestações, a pluralidade das reivindicações, a falta de uma liderança definida, os pacíficos e os vândalos, a indefinição de tendências, a perplexidade dos políticos e analistas ―, duas realidades parecem emergir do fundo desses acontecimentos como resultantes sólidas e inconcussas: a existência de um grande, um imenso descontentamento e a sensação viva, vivíssima, da falta de representatividade dos atuais líderes da Nação.

Um livro profético

Livro
Capa do livro “Projeto de Constituição Angustia o País”.

É o momento de nos reportarmos às considerações feitas por Plinio Corrêa de Oliveira há duas décadas e meia, cujo acerto e ampla visão nos servem de guia e de rumo para interpretar os fatos atuais. O leitor dirá.

Em 1987 discutia-se no Brasil o projeto de Constituição que daria depois origem à atual Carta Magna. Preocupado com a orientação que então tomava a Constituinte, Plinio Corrêa de Oliveira escreveu um livro, que em breve se tornaria best-seller, intitulado Projeto de Constituição Angustia o País.(44) Nele, o renomado líder católico prevê uma separação, um desmembramento, uma fratura entre a sociedade e o Estado, entre a população e os dirigentes do País, entre o País real e o País legal, caso se viesse a aprovar uma Constituição com os princípios contidos naquele projeto.

Na referida obra, ele sugeriu aos constituintes que se limitassem a aprovar naquele momento alguns pontos sobre os quais havia praticamente unanimidade no País. Quanto aos outros:

“É evidente que a elaboração da parte sócio-econômica da nova Constituição não se poderia fazer desde já, em razão da notória carência de informações e de debates, em que se acha nosso corpo eleitoral a respeito de tais assuntos.

“Mas se num prazo de três anos — por exemplo — nosso eleitorado lúcido e ágil receber a preparação necessária para opinar maduramente sobre tais assuntos, encontrar-se-á ele em condições suficientes para eleger uma Constituinte autenticamente representativa, na qual se refletirá com fidelidade — e portanto com autenticidade — o que ele pensa e deseja sobre matérias sociais, econômicas, sócio-econômicas e sócio-políticas”. (p. 200).

A fratura prevista por Plinio Corrêa de Oliveira

Ele não foi ouvido e a Constituição foi aprovada. Assim, vemos hoje se escancarar a impressionante fratura entre o País legal e o País real, que de modo verdadeiramente profético e quase linear com tanta antecedência ele previu. A qual faz lembrar a falta de representatividade que muitos católicos atribuem ao Concílio Vaticano II e ao pós-Concílio.(45)

Prossegue Plinio Corrêa de Oliveira:

“Se tal não ocorrer, convém insistir em que o divórcio entre o País legal e o País real será inevitável. Criar-se-á então uma daquelas situações históricas dramáticas, nas quais a massa da Nação sai de dentro do Estado, e o Estado vive (se é que para ele isto é viver) vazio de conteúdo autenticamente nacional.

“Em outros termos, quando as leis fundamentais que modelam as estruturas e regem a vida de um Estado e de uma sociedade, deixam de ter uma sincronia profunda e vital com os ideais, os anelos e os modos de ser da nação, tudo caminha nesta para o imprevisto. Até para a violência, em circunstâncias inopinadas e catastróficas, sempre possíveis em situações de desacordo, de paixão e de confusão.

“Para onde caminha assim a nação? Para o imprevisível. Por vezes, para soluções sábias e orgânicas que seus dirigentes souberem encontrar. Por vezes, para a improvisação, a ventura, quiçá o caos. Disto é exemplo a Rússia contemporânea […]

“É de encontro a todas essas incertezas e riscos que estará exposto a naufragar o Estado brasileiro, desde que a Nação se constitua mansamente, jeitosamente, irremediavelmente à margem de um edifício legal no qual o povo não reconheça qualquer identidade consigo mesmo.

“Que será então do Estado? Como um barco fendido, ele se deixará penetrar pelas águas e se fragmentará em destroços. O que possa acontecer com estes é imprevisível”. (p. 201).

É impossível não ver nos multitudinários protestos que se desenrolaram nestes meses de junho e julho um espelho fiel dessa acertada previsão.

Descontentamento na União Soviética como no Brasil

Embora de passagem, Plinio Corrêa de Oliveira traça um paralelismo entre o que ele previa para o Brasil e os fatos que naquele final de 1987 ocorriam na Rússia, ainda sob o jugo do tacão soviético. Tal paralelismo nos leva naturalmente a considerar um outro documento do mesmo autor, publicado menos de três anos depois, e que igualmente lança luz sobre os acontecimentos que hoje presenciamos no nosso querido Brasil.

Trata-se do Manifesto Comunismo e anticomunismo na orla da última década deste milênio, publicado no início de 1990 em 50 jornais e/ou revistas do Ocidente,(46) no qual o Autor coloca em evidência o fundo comum de todas essas reivindicações, por mais diferentes que elas sejam: o Descontentamento.

Depois de noticiar os diferentes abalos que se processavam nos diversos países que então compunham a União Soviética, Plinio Corrêa de Oliveira comenta:

“Toda esta contemporânea movimentação do mapa europeu se reveste, aqui e acolá, de circunstâncias e significados diversos. Mas a todos eles sobrepaira um significado genérico, que os engloba e a todos penetra como um grande impulso comum: é o Descontentamento.

“Escrevemos esta última palavra com ‘D’ maiúsculo, porque é um descontentamento para o qual convergem todos os descontentamentos regionais e nacionais, os econômicos e os culturais, por muitas e muitas décadas acumulados no mundo soviético sob a forma de apatia indolente e trágica de quem não concorda com nada mas está impedido fisicamente de falar, de se mover, de se levantar, em suma, de externar um desacordo eficaz. Era o descontentamento total, mas por assim dizer mudo e paralítico, de cada indivíduo na sua casa, no seu tugúrio ou na sua choça.

“Em uma palavra, se contra este ou aquele aspecto da realidade soviética se enunciam queixas, contra o conjunto dessa realidade os fatos mais recentes tornam evidente que lavra um incêndio de verdadeiro furor. Furor que, pelo próprio fato de atingir o conjunto, atinge o regime, e põe em fogo todas as capacidades de indignação da pessoa humana.

“Assim, de passo em passo, poderá desenrolar-se o característico processo de ascensão dos movimentos insurrecionais que caminham para o êxito, o qual se desenvolve contemporaneamente com o declínio dos establishments de governos obsoletos e putrefatos”.

Não é também um enorme, um monumental descontentamento que presenciamos nas manifestações de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre e por todo o Brasil? Não é ele que explica, pelo fundo, as diferentes e por vezes contraditórias reivindicações?

Manifestações menores, porém significativas

Protesto dos médicos, que reuniu nove mil profissionais em várias capitais contra a importação de médicos cubanos.
Protesto dos médicos, que reuniu nove mil profissionais em várias capitais contra a importação de médicos cubanos.

Alguém poderia objetar que o paralelismo não é perfeito, pois em 1990 a oposição era a um regime comunista, enquanto agora estamos numa democracia. A objeção tem algo de pueril. É claro que toda comparação por alguns lados claudica. Não se trata de identidade, e sim de semelhança. Mas o paralelismo é gritante no que tange ao fundo do problema, ou seja, ao desagrado profundo de uma Nação que não se vê representada em seus anseios pelas leis que se querem aplicar, pela corrupção moral e financeira de seus dirigentes, enfim pelo modo como o Estado vem sendo conduzido.

Terminado o ciclo das grandes manifestações pulularam protestos menores, embora significativos. O mais importante talvez tenha sido o dos médicos, que reuniu nove mil profissionais em várias capitais contra a importação de médicos cubanos e outros, sem passarem pelo “revalida”, exame que avalia a competência e idoneidade dos candidatos.

Inexplicavelmente (ou talvez muito explicavelmente…), a pretexto de melhorar o atendimento no campo da saúde, o governo tinha planos de trazer médicos de Cuba sem fazê-los primeiro passar por uma necessária avaliação, quando se sabe que tais profissionais costumam não estar habilitados para o exercício de suas funções, pondo em risco a saúde da população. Sem falar que são por vezes de agentes do regime(47) e controlados pelo governo comunista cubano mesmo quando estão em território estrangeiro.

O aspecto imprevisível do futuro

No que vai dar tudo isso? Vejamos o que dizem alguns comentaristas sobre o futuro dos protestos:

“Estes jovens saíram da condição de torcedores por um time ou um partido e estão militando concretamente. O perigo é serem esvaziados. […] Se não houver ‘núcleos’ duros dos fatos, dos acontecimentos presentes e prováveis, as denúncias caem no vazio abstrato tão ibérico e tão do agrado dos corruptos e demagogos”.(48)

“Torna-se imprevisível o desfecho do movimento. Pode resultar em algumas mudanças ou dar em nada. Até agora não há vasos comunicantes com o establishment da política”.(49)

“É difícil prever onde esse caudal irá desembocar. Nem os manifestantes sabem”.(50)

“Há quem diga que isso vai acabar no impeachment da presidente Dilma. Já tem até petição online”.(51)

Portanto, a incógnita permanece. Se os protestos servirem para robustecer as reivindicações justas — o fortalecimento da propriedade privada e do casamento cristão, o combate eficaz ao crime, inclusive com a redução da maioridade penal, a moralização dos costumes políticos e dos cidadãos em geral — elas terão tido sucesso.

Porém, se as forças de esquerda conseguirem operar a transposição do rio da indignação popular — ou seja, desviá-lo de seu leito para fazê-lo servir ao programa socialo-comunista com o aumento de impostos, as estatizações, o fortalecimento do PT, e outras coisas do gênero, tudo rumo ao anarquismo-ecológico, ou então, numa hipótese mais modesta, conseguirem fazer com que as manifestações não deem em nada —, tudo terá fracassado… aparentemente.

O aspecto previsível do futuro

Se não der em nada, de que terá valido a manifestação de tão monumental descontentamento? Na aparência terá fracassado. Na realidade valeu muito, pois uma vez externado tenderá a crescer, mesmo se artificialmente silenciado.

No Manifesto acima citado, Plinio Corrêa de Oliveira enfrenta essa possibilidade ao falar do Descontentamento com o regime soviético (cujo desfecho final — a extinção da URSS — levou Putin a reconhecer pesaroso que foi o acontecimento geopolítico mais importante do século XX). O paralelismo novamente se impõe:

“A imprensa de todo o mundo ocidental não tem deixado de notar que a vitória desse gigantesco Descontentamento ainda não é indiscutível. Pois ninguém pode garantir que o esmagamento da rebelião […] não possa reeditar-se ainda várias vezes em outros focos do Descontentamento. Admitamos, por fim, que esses sucessivos esmagamentos cheguem a impor ao Descontentamento uma caricata máscara de paz. Da paz cadavérica dos que já não possuem vida.

“Um tal desfecho produziria, por certo, efeitos múltiplos globais, a maior parte dos quais ainda não são previsíveis neste momento. Contudo, do ponto de vista do Descontentamento, ele só agravaria a exasperação e os queixumes”.

Analisando os acontecimentos com os olhos da fé

Sendo o Brasil consagrado a Nossa Senhora Aparecida, um católico não pode encerrar estas linhas sem se perguntar sobre o papel nesses acontecimentos da graça divina, da qual a Virgem Santíssima é o maravilhoso canal para todos nós.

Nada pior do que os tempos de modorra que precederam o início das manifestações. Embalados num sono sujo e feio, os brasileiros iam sendo conduzidos para uma situação muito próxima do totalitarismo, já com vistas a preparar um estado de coisas anárquico e caótico.

Esse repentino acordar de muita gente — que deixou a tantos atônitos e intrigados —, ultrapassando e negando as metas iniciais anárquicas do MPL, não terá sido produzido por uma ação da graça? Se Deus não abandona o pecador no seu pecado, mas procura continuamente que ele se converta e viva, a fortiori não fará o mesmo com as nações, de modo especial com esta Terra de Santa Cruz que Ele tanto ama?

Essas perguntas nos levam a uma indagação de cúpula. Se assim é, para onde nos conduzirão tais acontecimentos, tão impressionantemente previstos por Plinio Corrêa de Oliveira? Quais são as suas relações com as profecias feitas por Nossa Senhora em Fátima aos três pastorzinhos? Teremos chegado aos bordos dos acontecimentos terríveis, mas libertadores, que nos levarão à vitória do Imaculado Coração de Maria?

Trata-se de perguntas, é bem evidente. Mas pode um católico que ama o Brasil deixar de fazê-las? Neste mundo em convulsão, no qual a própria Igreja de Deus passa pelo tormento da autodemolição e “os fiéis encontram na Igreja a nauseabunda ‘fumaça de Satanás’, a que se referiu pública e oficialmente Paulo VI”,(52) não será lícito esperar e desejar para o Brasil dias melhores, sob a égide maternal de Maria? Ainda que para chegar até eles tenhamos de atravessar o valo profundo das provações, também elas previstas em Fátima!?

Fonte: Revista Catolicismo, Agosto de 2013.

_________

Notas:

1. Luiz Werneck Viana, 18-6-13, http://portal.pps.org.br/portal/showData/250800

2. Ver a Carta de Princípios do MPL: http://mpl.org.br/node/5.

3. Painel da “Folha de S. Paulo”, 19-6-13.

4. “Folha de S. Paulo”, 11-6-13.

5. Demetrio Magnoli, “O Estado de S. Paulo”, 20-6-13.

6. Gaudêncio Torquato, “O Estado de S. Paulo”, 16-6-13.

7. Ferreira Gullar, “Folha de S. Paulo”, 30-6-13.

8. “Folha de S. Paulo”, 30-6-13.

9. “O Estado de S. Paulo”, 25-6-13.

10. Eliane Cantanhêde, “Folha de S. Paulo”, 30-6-13.

11. “Folha de S. Paulo”, 11-6-13.

12. Clóvis Rossi, A Vaia saiu às ruas, “Folha de S. Paulo”, 18-6-13.

13. “Folha de S. Paulo”, 24-6-13.

14. “A gente não tem controle. Ficou claro que a manifestação se transformou numa revolta popular na cidade contra o aumento da tarifa”, “Folha de S. Paulo”, 12-6-13.

15. Portal IG, 22-6-13

16. “O Estado de S. Paulo”, 21-6-13.

17. “Folha de S. Paulo”, 20-6-13

18. Arnaldo Jabor, “O Estado de S. Paulo”, 25-6-13.

19. “O Globo”, Rio, 19-6-13.

20. Juan Arias, “El País”, Madrid, 18-6-13.

21. “Folha de S. Paulo”, 13-6-13

22. “Veja”, S. Paulo, 13-6-13.

23. “Veja”, 26-7-13.

24. “Ouvir o clamor que vem das ruas”, 21-6-13, in site da CNBB

25. “Correio da Cidadania”, 22-6-13.

26. “Folha de S. Paulo”, 19-6-13.

27. Antonio Prata, “Folha de S. Paulo”, 19-6-13

28. Roberto Damatta, “O Estado de S. Paulo”, 19-6-13.

29. Eliane Cantanhêde, “Folha de S. Paulo”, 17-6-13.

30. “O Estado de S. Paulo”, 19-6-13.

31. “O Estado de S. Paulo”, 19-6-13

32. “O Globo”, 20-6-13.

33. Dora Kramer, “O Estado de S. Paulo”, 19-6-13.

34. Merval Pereira, “O Globo”, 29-6-13.

35. Igor Gielow, “Folha de S. Paulo”, 26-6-13.

36. Rubens Ricupero, “Folha de S. Paulo”, 8-7-13.

37. Mônica Bérgamo, “Folha de S. Paulo”, 19-6-13.

38. “Folha de S. Paulo”, 8-7-13.

39. Portal do IG, 30-6-13.

40. “O Estado de S. Paulo”, 12-7-13.

41. Notas e Informações, “O Estado de S. Paulo”, 19-6-13.

42. Fernão Lara Mesquita, “O Estado de S. Paulo”, 24-6-13.

43. Francisco Daudt, “Folha de S. Paulo”, 10-7-13.

44. Editora Vera Cruz, S. Paulo, novembro/1987, 210 pp. Livro disponível integralmente no site: http://www.pliniocorreadeoliveira.info/livros.asp

45. A respeito do delicado assunto do Concílio, ver: Roberto de Mattei, O Concílio Vaticano II – Uma história nunca escrita, divulgado no Brasil pela Editora e Livraria Petrus.

46. “Folha de S. Paulo”, 14-2-90; “Wall Street Journal”, N. York, 27-2-90; “Corriere della Sera”, Milão, 7-3-90; num total de 50 jornais e/ou revistas do Ocidente.

47. O Instituto Plinio Corrêa de Oliveira tem publicado várias matérias de interesse sobre a “importação” de médicos cubanos: www.ipco.org.br.

48. Arnaldo Jabor, “O Globo”, 18-6-13

49. Fernando Rodrigues, Portal de Notícias do Senado,18-6-13.

50. “Folha de S. Paulo”, Editorial, 19-6-13.

51. Agostinho Vieira, “O Globo”, 20-6-13

52. Plinio Corrêa de Oliveira, “Folha de S. Paulo”, 20-3-1978.

 

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Autor

Gregorio Vivanco Lopes

Gregorio Vivanco Lopes

173 artigos

Advogado, formado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Autor dos livros "Pastoral da Terra e MST incendeiam o Brasil" e, em colaboração, "A Pretexto do Combate Á Globalização Renasce a Luta de Classes".

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