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Para-raios da Ira Divina

Por Guilherme Martins

7 minhá 8 anos — Atualizado em: 9/1/2017, 8:47:33 PM


“Busquei entre eles um justo que se interpusesse como uma sebe, e que pugnasse contra mim em favor desta Terra, para eu não a destruir; e não o encontrei” (Ez. 22,30).

Assim exprime o Profeta Ezequiel os lamentos de Deus — que é, segundo o Salmista, lento em irar-se e cheio de clemência (Sl. 102,8) — sobre as infidelidades do povo eleito.

Com a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, a cólera divina encontrou por fim aquela “sebe” que procurava, e descarregou-se sobre Ele, o Inocente, poupando-nos a nós, os verdadeiros culpados.

Ao longo da vida da Igreja, o Divino Espírito Santo foi inspirando almas de escol a se associarem a essa missão de “para-raios” da justiça divina. Assim nasceram as várias Ordens contemplativas, exércitos de vítimas voluntárias que se isolavam do mundo a fim de se oferecerem de modo mais eficaz em resgate dos pecadores. Orações, clausura e penitências livremente consentidas — calibradas pela mesma inspiração do Divino Esposo — foram sempre suas armas.

Com seu holocausto contínuo, impetravam também de Deus a conversão dos mesmos pecadores, abrindo largas veredas para outro exército, o dos missionários, que iam assim colher a vasta semeadura da Graça.

Admirável exemplo de conversão obtida por uma religiosa

Em pleno século XX, quando a rejeição oficial das nações a Deus mais se patenteou, a atuação desses para-raios em meio a um dos castigos mais eloquentes do Deus Vingador sobre a humanidade pecadora — a II Guerra Mundial — constitui um exemplo entre muitos.

Quem no-lo conta é Frei Gereon Goldmann, O.F.M., no livro-biografia The Shadow of His Wings. (1) No ano de 1939, ainda jovem seminarista, mal concluíra os estudos de filosofia quando é obrigado a alistar-se na Wehrmacht (2) nazista. Daí passa, em pouco tempo — com a garantia de poder cumprir livremente seus deveres religiosos —, para a temida SS.(3)

Em sua determinação inflexível de se tornar sacerdote, consegue ser recebido em audiência por Pio XII, de quem recebe autorização para ser ordenado sem ter completado os devidos estudos de teologia. Nas circunstâncias as mais incríveis, sendo prisioneiro dos aliados na África, recebe as sagradas ordens de um bispo francês. É então enviado como capelão a um campo de concentração no Marrocos, campo esse dominado por prisioneiros nazistas dos mais radicais. Ali tem de se defrontar com ferrenha oposição do líder desses prisioneiros, que lhe prepara todo tipo de sabotagens.

Quando as forças pareciam lhe faltar, e já os intentos de mudar de prisão se concretizavam, conheceu Soeur Jeanne, religiosa francesa que obtivera licença papal para uma vida solitária nas montanhas de Khenifra. Sigamos sua própria narração:

Nos três dias que estive com ela, padeci fome continuamente, eu, que acreditava saber muito bem o que eram as privações!

Ela cuidava dos nativos enfermos, entrando de manhã até a noite em suas fétidas choças para tratar feridas espantosas e chagas infectadas. Todas as noites, ajoelhava-se durante três horas, tão imóvel como uma estátua de pedra, diante de Jesus Sacramentado… Eu não podia crer no que meus olhos estavam vendo. Graças a uma licença papal, tinha o privilégio de guardar o Santíssimo Sacramento em sua pequenina capela, e um sacerdote-eremita, que vivia em uma montanha ainda mais alta, descia a cada três ou quatro meses para renovar as Sagradas Espécies.

Depois, voltava a ficar sozinha durante meses, dedicada a seu trabalho e com o Senhor no Sacrário. O que vi e ouvi era incrível. Sua cama, uma tábua; sua comida, uma sopa aguada; contudo era feliz como uma criança, e estava muito mais forte e robusta que eu!

Reuni-me com ela pela primeira vez em sua solidão — pouco depois que me tornara capelão do campo nazista — numa ocasião em que me sentia abatido por causa da intensa oposição e da perseguição que padecia, e porque não lograva alcançar progressos visíveis. Quando lhe anunciei que pensava partir para outro campo onde o trabalho fosse mais fácil e mais gratificante, replicou-me quase violentamente que eu ia voltar ao acampamento nazista.

‘Não posso, Soeur Jeanne. É demais para mim. Fiz todo o possível, e fracassei em meu intento de levar Cristo a esse acampamento’.

Surpreendeu-me então, agarrando-me pelo hábito e fixando-me nos olhos, enquanto dizia com uma voz que cortava os ossos e chegava até a medula: ‘Padre, em nome de Deus, volte ao acampamento imediatamente!’.

Quando me recuperei da surpresa que me tinha produzido semelhante ‘ordem’ — pois fora dada de tal modo que sabia não poder desobedecê-la — fez-me escrever em um pedaço de papel o nome do pior inimigo da Igreja. ‘Deixe o resto em minhas mãos, Padre’, finalizou.

Fiz o que me pedia; dei-lhe o nome de Kroch, um fanático nazista, acérrimo perseguidor da Igreja francesa e de seu povo, e retornei ao campo”.

Frei Gereon retomou seus labores apostólicos no acampamento. Passados três meses, quando já nem se lembrava daquele encontro, foi avisado de que o temível nazista queria falar-lhe:

“Se Kroch que tratar comigo, diga-lhe que venha pela manhã, à vista de todo mundo, e não na escuridão da noite!”.

No dia seguinte, quando esperava sua vez na fila para receber a pequena ração de pão, Kroch se aproximou e, sem tentar ocultar seu pedido aos circunstantes, perguntou-lhe se podia confessá-lo.

“Eu era católico, Padre. Fui até coroinha; minha mãe era uma mulher piedosa, e se sentiria feliz se soubesse que voltei para a Igreja”.

Frei Gereon conhecia parte de sua história: durante muitos anos, antes mesmo da guerra, tinha sido um líder da juventude ateia, e desempenhara um papel de dirigente na Alemanha nazista.

“Apesar de sentir-me comovido por aquele pedido, sua readmissão na Igreja não era um assunto simples. Devia fazer penitência pública por seus vários erros conhecidos. Um domingo após o outro, durante vários meses, permaneceu de pé junto ao altar, um pobre penitente, um reconhecido pecador. Por fim, chegou o dia em que, diante de centenas de homens que, retendo o fôlego, escutavam o que ele tinha a dizer, reconheceu sua culpa e sua vergonhosa história…, de um rapaz piedoso a um dos mais acérrimos inimigos da Igreja. Contou novamente a história de seu regresso à Igreja e pediu perdão. Por fim, recebeu a absolvição sacramental e a Comunhão. Os homens rodeavam o altar com lágrimas nos olhos; depois, foram muitos os que esperaram pacientemente sua vez diante do confessionário para dar por encerradas suas vidas de pecado”.

Lembrando-se então da religiosa, Fr. Gereon conclui: “Em sua solidão de Khenifra, a boa Soeur Jeanne tinha colocado junto ao sacrário o papel com o nome de Kroch e, noite após noite, tinha passado seis horas rezando por sua conversão”.

O mundo oficial moderno — leia-se mídia e governos laicos — manifesta desprezo pela vida religiosa contemplativa. Chega mesmo, quando tem oportunidade, a mover aberta perseguição contra ela, como no recente caso das Carmelitas Descalças da cidade de Nogoyá, Argentina. (4)

Terá esse mundo oficial poder para, aproveitando-se da crise pela qual passa a Santa Igreja, destruir esse último reduto, essa “sebe” que ainda refreia os raios da cólera divina?

O Justo Juiz, pela pena do mesmo profeta, já deixou consignada a sentença:

“Por isso derramei a minha indignação sobre eles, consumi-os no fogo da minha ira, fiz que o seu proceder recaísse sobre as suas cabeças, diz o Senhor Deus” (Ez. 22,31).

____________

Notas:

  1. GOLDMANN, Gereon. The Shadow of His Wings. San Francisco: Ignatius Press, 2008. P. 229 a 232.
  2. Nome dado ao conjunto das Forças Armadas alemãs na era nazista.
  3. Schutzstaffel: polícia especial de Hitler.
  4. A partir de denúncias de uma egressa, noticiadas de modo sensacionalista, o convento foi invadido pela polícia e a superiora indiciada por “privação ilegítima da liberdade”. Cfr. http://www.clarin.com/sociedad/monja-convento-Nogoya-conto-torturas_0_1645035552.html

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Guilherme Martins

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