Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
23 min — há 7 anos — Atualizado em: 2/14/2018, 4:28:13 PM
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
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“Santo do Dia”, 2 de março de 1984
[A reunião se inicia com uma apresentação Coral]
Felicito-me a mim mesmo de não ter interrompido nenhuma vez essa seqüência magnífica de cânticos, e de só agora vos dizer algumas palavras de esclarecimento. Quais são estas palavras?
Nós devemos tomar em consideração a longa duração da Igreja, e os tempos remotos em que este cerimonial, esta liturgia foi estabelecida e como repercutia no mundo de então, para compreendermos inteiramente o que a Igreja fazia e tinha a intenção de fazer, no passado, por ocasião da quarta-feira de Cinzas. E nós compreenderemos então melhor, quanto e quanto o mundo de hoje está distante da Igreja.
A cerimônia de quarta-feira de Cinzas, abrirá a Quaresma. Nesta próxima quarta-feira, qual será a atmosfera da cidade de São Paulo? A mesma de todos os outros dias do ano… E não diferirá sensivelmente, da miserável atmosfera dos dias de carnaval. Essa é a realidade.
Os pecadores serão menos numerosos do que na Idade Média, na antiguidade, épocas felizes em que essa cerimônia se foi constituindo até tomar o seu aspecto definitivo?.. De modo nenhum. Pelo contrário! O número de pecadores cresceu imensamente. Tornou-se a maioria, mas a imensa maioria da população; a maioria ufana, a maioria dominadora, a maioria depreciativa da população que olha com desdém, que persegue o homem que vive segundo a lei de Deus.
Em tantas e tantíssimas igrejas, em todas aquelas em que penetrou a reforma conciliar, o que se passa? Qual é a atmosfera? Como é tratado o pecado? Como é incriminado o pecado? O que se diz nessas igrejas de modo a ajudar o pecador para que ele caia em si mesmo e se arrependa do mal que ele fez? Nada!
Pelo contrário, tudo o que se passa parece intencionado na direção de dar ao pecador a idéia de que ele pode continuar no pecado, porque este não tem importância. Vê-se isso habitualmente aos domingos: a igreja está com senhoras vestidas contra as leis do pudor, e de homens vestidos contra toda lei da dignidade e da gravidade. Muitos deles são conhecidos e se sabe como vivem. Toca a campainha para Comunhão, e vai ser distribuído o Pão dos Anjos. A maioria dos que se encontram na igreja se aproximam para comungar. Serão Anjos? É o caso de perguntar: a serem anjos, que anjos?…
Todos recebem – segundo o triste ritual – na mão, a Partícula, para depois A por na boca. Comungam e voltam depois para casa, reencetar a sua vida de pecado… Este mundo, das enormes cidades babilônicas, está constituído diretamente sobre a negação da gravidade do pecado, a negação do próprio conceito de pecado.
Se fosse só a negação, ainda seria pouco; é a inversão. A virtude é desprezada, é ridicularizada, é perseguida; o pecado não é apenas admitido, ele é glorificado. Isso é que sucede ao pecado.
Nessas miseráveis condições, como se pode imaginar uma população à qual seja adequada a cerimônia magnífica, cuja música os senhores acabam de ouvir aqui, tão bem declamada e tão bem cantada?
Cidades enormes, onde as igrejas representam uma unidade física pequena dentro do tamanho colossal de espaço ocupado por outros fins. Cidades tristemente orgulhosas e dominadoras por suas riquezas, ou cidades opressas pela miséria de alguns de seus bairros pobres; de um modo ou de outro, cidades onde se cogita pouco de Deus. Como tudo isso fica difícil de avaliar e de colocar bem no seu contexto adequado, quando se consideram as cidades de hoje!
* Dignidade, gravidade, seriedade e doçura que impregnava a atmosfera do mundo católico formada pela inocência cheia de grandeza e naturalidade da Santa Igreja Católica
Mas como eram diferentes as cidades para as quais tudo isso foi feito! Nós temos que voltar, é verdade, para um longínquo passado. Nós ouvimos há pouco – e eu notei, achando muito razoável – uma espécie de burburinho, de zum-zum que percorreu o salão quando houve referência a isso: pelo revezamento dos soldados das legiões romanas se calculavam os nomes das várias horas de vigília. Então Tercia, Sexta, Noa, etc., ainda vem do tempo dos soldados da Legião Romana, perseguidores tantas vezes dos católicos, que se revezavam no seu serviço.
A Igreja toma com inocência, com naturalidade, esta reminiscência comum, trivial, da vida de seus adversários, e a coloca na sua oração com tanta naturalidade, com uma santidade, eu quase diria com uma ingenuidade tão cheia de grandeza… Ela toma aquilo que ressoa ainda com os passos cadenciados dos soldados que tinham conquistado o mundo, e que nas vésperas haviam trucidado católicos, Ela toma essa reminiscência e começa por aí as horas dos seus dias de Quaresma… Ó grandeza, ó maravilha!
Depois os senhores foram ouvindo as datas. Tal coisa foi instituída no ano tal… A coisa mais recente, nomeada aqui, foi o ano de mil e tanto. Nós estamos em 1984, quase no fim deste milênio, na orla do terceiro milênio, é nestas condições que estamos. E com toda naturalidade se conta que no Concílio de Bari, o Papa tal, já não me lembro o nome, resolveu instituir isto para toda a Cristandade. Então ficou e aqui está. Soldados romanos… Bari… o ano mil e tanto… de toda a história a Igreja vai tirando jóias, reminiscências… com a naturalidade de quem se gloria de ser anciã!
Ela sabe que para Si não há velhice. As portas do inferno não prevalecerão contra Ela! E à medida que caminha, Sua juventude eterna vai sendo renovada. E por causa disso Ela vai se adornando com as recordações diversas do passado. É justo, portanto, que a exemplo dEla, fazendo aqui algumas reflexões, que não poderão ser longas, a respeito disso que acabamos de ouvir, devemos pensar um pouquinho em como eram as cidades, as paróquias, em como eram as abadias, do tempo em que essa liturgia se constituiu definitivamente.
* Como se foi constituindo a magnificência da liturgia católica
Essa liturgia se constituiu provavelmente de modo definitivo, como grande parte da liturgia, na Idade Média. Alguma coisa ainda se acrescentou nos primeiros séculos dos tempos modernos e depois quase nada se acrescentou.
Como eram as cidades nesse tempo? Pensemos numa cidade medieval. Pensemos nas pinturas das cidades medievais, nas iluminuras, nos pergaminhos que nos representam essas cidades. Cidades pequeninas, com as ruas estreitas, tendo que caber dentro de muralhas necessariamente circunscritas, para defender os habitantes contra o ataque noturno. Em que as casas se agrupavam umas às outras, como pessoas por demais juntas num auditório pequeno para elas…
Ainda trazendo no andar de cima uma projeção, que hoje chamariam o “window box”, que faz com que uma parte do andar de cima se projete sobre a rua e fique quase a um estender de mão do andar que está em frente. Essas cidades pequenas vivem de uma vida toda ela em torno da Igreja. A gente olha a pintura, e vê o principal edifício, uma seta enorme: é uma torre, são duas torres, é o campanário da igreja. Em torno está a cidade.
Às vezes vários campanários, são várias igrejas, várias abadias, são vários conventos. Em torno desses conventos se agrupa a população. Os grandes edifícios não são os prédios de 80, de cento e tantos andares, feitos em honra de Mamon, para que o homem possa gozar depois os favores de Bios. Não! São os prédios feitos para o culto de Deus. Tudo se agrupa em torno deles.
O que se passa portanto dentro da igreja é fato central na vida da cidade. E uma cerimônia religiosa não é uma coisa que se passa assim: aqui tem uma cerimônia religiosa, ao lado tem um leilão; mais adiante tem um pronto-socorro que está recebendo feridos; mais adiante tem uma casa imoral com diversões péssimas…
Não, não é isso não. O centro da vida é a igreja, é a paróquia. E o que se passa dentro da igreja – para a qual aflui toda a população compacta – é o centro da vida da cidade. E o que se passa dentro da igreja? São pecadores públicos – eu daqui a pouco explicarei o que é o pecador público – são pecadores públicos que vem sabendo o que é a quarta-feira de Cinzas, e que começou a Quaresma, a “Quadragésima”, quer dizer os 40 dias de penitência e de jejum, e de arrependimento para preparar os homens para participar com compunção das cerimônias que comemoram a morte sagrada de Nosso Senhor Jesus Cristo e depois a sua gloriosa Ressurreição!
Então, para isso prepara o homem, 40 dias de cerimônias, que provavelmente – suponho – lembram os 40 dias de jejum de Nosso Senhor no deserto. São esses 40 dias em que os homens são convidados a isso, toda a população vai e os pecadores públicos também.
* Os vários tipos de pecadores públicos, o jogo da Opinião Pública e a pedagogia da Igreja para convertê-los
O que a população pensa desses pecadores públicos? O que é o pecador público? É o homem que comete pecados que são notórios diante da cidade.
Um homem que matou alguém durante o ano, e que não se arrependeu de seu pecado, não foi visto confessando-se, não foi visto recebendo os sacramentos, e que foi visto – pelo contrário – se locupletando com o dinheiro da vítima que ele roubou. Depois, é outro homem que blasfemou em público contra Deus e contra a Igreja, que foi repreendido por uma ordenação do Bispo, que não se arrependeu e continua a blasfemar o ano inteiro. Ou então um outro homem ou uma outra família que publicamente – à vista de todos – deixou de comparecer às Missas. Aqueles que estão pública e notoriamente em estado de pecado, esses são pecadores públicos.
O que pensa deles a opinião pública dessa cidade? Na Idade Média, pensava-se o seguinte: são pecadores, e portanto são miseráveis! São altamente censuráveis, e deve-se viver afastado deles. O homem reto não convive com o pecador. E se tem que tratar com o pecador, será de modo distante, frio, porque ele está em estado de pecado. Ele é inimigo de Deus, logo, é inimigo do gênero humano! Ele é inimigo de cada homem, e como inimigo cada homem deve tratá-lo… enquanto ele não fizer penitência.
Esses pecadores comparecem à cerimônia, porque todo mundo vai. Mas esses mesmos pecadores, em via de regra, consideram que andam mal pecando; reconhecem que eles andam mal. Pesa-lhes pecar, porém não lhes pesa tanto ao ponto que abandonem o pecado. Mas, pesa-lhes pecar, e tem vergonha do pecado que cometem.
Há outros pecadores que também se denunciam como tais nessas cerimônias. São homens às vezes tidos como muito virtuosos, mas que aparecem de repente e declaram de público: cometi um pecado! Como o virtuoso tal, a virtuosa tal, está lá entre os pecadores, acusando-se de um pecado que cometeu. E porque foi objeto de uma honraria à qual não tinha direito, agora está arrependido(a), quer receber o desprezo que merecia e que roubou pela sua hipocrisia, fingindo-se de boa pessoa quando não o era! Ele(a) está lá entre os pecadores públicos.
São só pecadores públicos que lá se acham? Quanto pecador privado, que cometeu pecados durante o ano, que os confessou, que os confessou bem, que os confessou mal, que de todo em todo não se confessou, cujo pecado ninguém conhece, mas Deus sabe que ele é pecador, e que está ali também, na hora em que começa a penitência… mas ao mesmo tempo o perdão para todos os pecados.
Os senhores devem imaginar o estado de espírito de um desses, quando é pecador público, que vai se declarar como tal… Estão andando pela rua, junto com a população inocente. Estão vendo de longe a fachada imponente da Igreja, com seus santos, com seus anjos, uma imagem do Crucificado ou de Nosso Senhor Jesus Cristo em atitude de bênção; ou com a imagem da Virgem das virgens, concebida sem pecado original, etc., os vitrais…
* Como a graça convida um pecador público à conversão?
Os sinos estão tocando… eles olham para a fachada da igreja que se ergue, imponente como é a severidade, e entretanto acolhedora, e que lhes diz: “Vinde filhos! Vós pecastes, mas vinde para onde o perdão vos vem. Começai por confessar-vos, começai por arrepender-vos”…
Entram, e os pecadores públicos podem ir para um determinado lugar, aonde vão fazer penitência. Começa então a cerimônia. Mas sobre isso preciso dizer mais uma palavra. É o seguinte: o homem da antiguidade, como o da Idade Média, como depois todos os que tiveram verdadeira Fé, possuíam uma noção profunda da gravidade do pecado.
Qual é o modo pelo qual, em duas palavras rápidas, podemos avivar em nós esta noção que tantas e tantas circunstâncias desbotam continuamente em nós? Qual é a gravidade do pecado?
Para compreendermos isso, farei uma pergunta estranha. O que os senhores dizem de um homem ao qual se afirme o seguinte: “Você é um tipo leviano, que não se toma a sério a si próprio”. Diz-se uma coisa tal que a resposta normal é uma bofetada! Porque se um homem não se toma a sério a si próprio, ele não é nada, não vale nada. O próprio do homem é tomar-se a sério a si próprio. O primeiro passo para ser alguma coisa, é tomar-se a sério a si mesmo.
Daí figurar como asnática – se não fosse blásfema – a seguinte pergunta: Deus se toma a sério a Si próprio? Deus evidentemente Se toma infinitamente a sério, porque em Deus tudo é infinito. E se Ele Se ama infinitamente a Si próprio, também Se toma infinitamente a sério a Si próprio.
E o resultado é que quando Ele diz aos homens: “Tal atitude é pecado, e praticando-a tu rompes Comigo, tu te tornas meu inimigo, e eu Me torno teu inimigo!” O resultado é que Ele toma isso infinitamente a sério!
Pois então Ele diz uma coisa e isso não produz efeito?… Ele proclama uma inimizade, e essa inimizade não é autêntica?… Ele é um moleirão que acha – no fundo – que não tem importância o outro Lhe ter escarrado no rosto (se se pudesse dizer isso) por meio do pecado que cometeu? Então, quem é Deus?! Se Deus não é sério, é o caso de perguntar: Existe Deus?
* A infinita seriedade de Deus com a qual Ele se considera a Si mesmo, ao pecado e ao pecador
Deus se toma a Si próprio infinitamente a sério. E é com essa seriedade que Ele acompanha as ações dos homens. É com essa seriedade infinita – irradiação ou lumen de Sua própria Sabedoria, elemento constitutivo de Sua própria Sabedoria e de Sua Santidade – que Ele está nos contemplando neste auditório, a mim que vos fala, e a vós que me ouvis! E que Ele está olhando, a ver com que seriedade eu estou falando e com que seriedade os senhores estão me ouvindo.
Tudo é imensamente sério na presença de Deus. E o pecado portanto é profundamente sério. É execrável, é gravíssimo! Quem o comete rompe com Deus, está na mais miserável das situações. Um ricaço que cometeu um só pecado, esse ricaço está numa situação incomparavelmente pior do que Jó no seu monturo. Porque ele tem tudo o que a terra dá, mas não tem nada do que o Céu dá!
Mais ainda, mais ainda. O pecador deve saber que ele pode ser punido por Deus de uma hora para outra, com penas nesta vida, e que desgraças inopinadas podem desabar sobre si sucessivamente. É alguém de sua família que morre; é um patrimônio seu que desaparece; é uma calúnia que o agarra e que o acompanha como um vampiro até o momento de sua morte. É qualquer outra desgraça que pode lhe acontecer… uma doença, de um momento para outro, virá para punir nesta terra – tantas vezes – os pecados que ele cometeu.
Como tudo isso é trágico! Que bagatela! Que insignificância em confronto com a pior das punições: o inferno!
O inferno ou o purgatório. Uma mentira, um pecado leve: o indivíduo comete, morre logo depois. Ele vai para o purgatório onde, conforme as circunstâncias, poderá ficar 100 anos queimando. A expressão 100 anos é antropomórfica, pois no purgatório não há tempo. Mas devemos entender que equivale a 100 anos de penitência na terra. Os senhores já pensaram o que são 100 anos de penitência? Isso pode acontecer com uma alma que vai para o purgatório, de um momento para outro.
E o inferno? As trevas exteriores, eternas, onde o fogo queima e não ilumina, onde os piores tormentos atazanam continuamente a criatura, e ela sabe que para si não existe mais remédio, está tudo perdido! Nada é mais nada.
Então o pecador tem a noção viva do mal que praticou, de que não deveria ofender a Deus, porque Deus é infinitamente Santo, Verdadeiro, Bom, tem o direito de não ser ofendido por nós; porque Deus é infinitamente Justo, e descarrega a sua cólera em certo momento sobre o pecador! E o pecador teme, e por causa disso está ele na igreja, e pede perdão, quer fazer penitência.
* A bondade infinita de Deus se manifesta tanto nas sublimidades do Miserere quanto no tato com que Ele “cochicha” aos ouvidos do pecador convidando-o à penitência
O que é essa penitência, o que é esse perdão? São coisas distintas. Em primeiro lugar ele deve reconhecer todo o mal que fez. A Igreja não pratica confissão pública. O fiel não vai dizer diante dos outros o mal que praticou. Mas a Igreja o estimula a que tenha noção da gravidade do seu pecado. E isso nós o veremos repetido nesses salmos, de um modo verdadeiramente magnífico. Salmos ditados pelo Espírito Santo. É Deus tão insondavelmente bom que Ele cria o homem e lhe dá a glória de ser criado em estado de prova, de maneira que o homem possa adquirir méritos e por estes ser premiado. O homem usa mal essa prova, e peca. Deus, em lugar de o exterminar logo, “cochicha” em seu ouvido aquilo que deveria considerar para medir o mal que praticou. E lhe ensina como pedir perdão!
É como um juiz que recebe o réu, com uma majestade infinita, com aparato de força e de severidade tremendos, mas ao mesmo tempo manda alguém entregar ao réu um bilhete que diz: “Se pedires ao juiz assim na sinceridade de tua alma, o juiz te manda esse recado: ele te atenderá!” E o réu caminha para Deus, para Deus Juiz, com uma oração ditada por Deus Juiz!…
Quer dizer, maior misericórdia não se pode imaginar. Deus fala por meio dos profetas, dos homens inspirados do Antigo Testamento, aos que dEle receberam Seus ensinamentos no Novo Testamento, Ele dá palavras por onde o homem reconhece o seu pecado, e por onde pede perdão.
Então, do fundo da igreja, se arrastando, vem o mísero cortejo dos pecadores oficiais: “Miserere mei Deus, secundum magnam misericordiam tuam, et secundum multitudinem miserationem tuarum, dele iniquitatem meam, etc., etc… “Tende compaixão de mim ó Deus, segundo a Vossa grande misericórdia; e segundo a multitude de Vossas bondades, apagai a minha falta. Porque eu conheço o mal que eu fiz, o meu pecado está de pé continuamente contra mim”… E assim vai.
Mas ele reza pedindo perdão, por assim dizer, esmagado pela grandeza de seu Juiz, e pela infâmia de sua culpa. Mas ao mesmo tempo alentado pela promessa do Juiz, e pela oração que o Juiz lhe ensinou. “Reze assim! Meu filho, sinta isto, que Eu me tornarei teu amigo!”
Julgo que os senhores sentem aí o equilíbrio magnífico que há na atitude de Deus. Próprio a esmagar, e de vez em quando esmaga! Mas que preferiria não esmagar. E que diz ao homem, seu inimigo: “Tu, filho meu, mau, sê bom. Aqui estão as palavras que deves dizer. Minha graça opera na tua alma, dize ´sim`, e tu te tornarás mais alvo do que a neve!”
Mas isso não cabe numa mera jaculatória. Os senhores vêem que o pecador pede muitas vezes, com muitas palavras, com muitas fórmulas diferentes… ele pede, pede, pede o que Deus lhe ensinou; as disposições de alma pelas quais pode obter perdão, e lhe ensinou as palavras pelas quais pode enunciar tais disposições de alma do modo próprio, correto, belíssimo, de maneira a obter o agrado de Deus. Mas por que Deus não concede logo?
* A verdadeira alegria que só nasce da penitência expressa maravilhosamente nos Salmos Penitenciais
Ele deixa a alma na dúvida. Deus perdoou ou não perdoou? Ele pede de novo, ele pede de novo. Ele argumenta com Deus… pela bondade de Deus, e acaba argumentando com a glória de Deus: “Meu Deus, é da Vossa glória, perdoai-me!” Como quem diz: “Em mim nada há que mereça Vosso perdão. Mas como será belo para Vós que me perdoeis. Por mim eu não mereço. Mas, Senhor, Vós amais a Vossa glória, e por amor a Ela eu Vos peço: dai-me aquilo que por amor a mim eu não mereço que Vós me concedeis. Senhor perdoai-me!”
Os senhores compreendem então cada uma dessas palavras como vem adequada, e preparando o espírito do homem ao mesmo tempo para uma profunda compenetração de seu pecado, mas também para uma confiança enorme de que Deus o perdoará. Os primeiros salmos não falam tão diretamente de confiança… Tem-se a impressão de que o sol da confiança vai se levantando à medida que os salmos se sucedem. E a última palavra é uma explosão de confiança: “Vós me salvareis, ó Deus!” É que a graça falou no interior da alma dele e acabou lhe dando certeza de que foi salvo. Então ele canta de alegria: “eu estou salvo”!
14Mas, mas, mas… que alegria maravilhosa! É o começo da Quaresma. Porque ele está salvo, ele quer fazer penitência; porque está salvo, quer sofrer para expiar o pecado que cometeu. E por isso ele se aproxima do padre, e curvado, genuflexo diante do sacerdote, este lhe coloca cinzas sobre a testa, faz uma cruz e diz: “Lembra-te homem que tu és pó, e que voltarás a ser pó”. Quer dizer: cuidado! Não facilite, a morte ronda em terno de ti! Deus é infinitamente bom, é verdade; Ele é infinitamente justo também. Abra os olhos, vá e faça penitência.
E a penitência como é? É jejuar, é para alguns passar a pão e água, fazer também coisas duras. E aí os senhores vêem a índole da Igreja. Uma das primeiras cerimônias que está mencionada aqui é a bênção dos cilícios. Como eram os cilícios? O mais das vezes eram cinturas todas com pequenos ganchos de ferro, que arranhavam a carne de fato, e que a pessoa usava, por exemplo, durante a Quaresma — alguns santos a vida inteira — usavam em torno do tronco, sangrando, sangrando continuamente.
Vejam agora a atitude da Igreja, no fundo, como quem diz: penitencia-te até o sangue… mas tu és meu filho. Vem cá, o instrumento da tua tortura, eu vou deitar sobre ele a minha bênção!
(o auditório mantém um profundo silêncio)
Meus caros… Fe-no-me-nal!
Os senhores fizeram como fazem todos os auditórios: quando se fala da misericórdia, há exclamações de encantamento! Eu quisera que quando se falasse da justiça, os senhores tivessem exclamações não menores. O homem não foi feito para se entusiasmar apenas diante da misericórdia de Deus. O homem foi feito para se entusiasmar também diante da justiça de Deus. O homem deve achar bela a justiça. Ele deve ficar penetrado de admiração pela justiça. Transido de admiração pela justiça. E isso lhe deve dar entusiasmo.
* O fecho de ouro dessas considerações sobre a penitência desemboca nas considerações sobre a misericórdia, que atinge seu píncaro em um só nome: MARIA!
De maneira que quando se afirma: “Deus disse ao pecador, Eu te execro!” num outro timbre de voz, mas num timbre inteiramente autêntico, nós possamos dizer – na nossa linguagem de novatos: “Fenomenal”!…
Por que? Porque quando o pecador compreende o mal de seu pecado, e vê quanto Deus odeia o seu pecado, percebe a pureza divina. E percebendo a pureza infinita de Deus, como pode ele não se entusiasmar?! Aquele que tem horror ao pecado, ama a virtude que o pecado nega, que o pecado transgride. E, portanto, é preciso, é gravemente necessário que nós nos entusiasmemos diante da severidade de Deus.
“Ó meu Senhor, como Vós odiais meus pecados! Eu Vos peço: dai-me uma centelha de Vosso ódio sagrado aos meus próprios pecados!” Que bela oração! Quão pouca gente a faz. Logo depois, é claro, nós devemos pedir a misericórdia. Quem pode subsistir sem a misericórdia de Deus? Não é pensável! Mas amemos a Sua justiça também.
Nós vamos transpor na quarta-feira, se Deus quiser, os umbrais da Quaresma. Vamos entrar na Quaresma. Devemos pedir o horror aos nossos pecados; devemos pedir o amor reverente e transido a essa execração que Deus tem aos nossos pecados. Devemos pedir a Deus o ódio ao nosso pecado, como ao pecado dos outros. Devemos pedir a Deus que nos conceda a misericórdia, sem a qual nós na presença dEle não somos capazes de nos manter.
Eu acabo de falar da palavra “misericórdia”. É porque eu quero preparar o fecho do que estou dizendo, e este possui um nome… e esse nome é Maria!
Tudo quanto eu disse até agora, o homem não obtém se Maria Santíssima não pedir por ele. Nada. Ela é a Medianeira necessária. Por vontade de Deus, Ela é a Medianeira necessária de todas as nossas orações até Ele, e de todas as graças que baixam dEle para nós. Se nós temos arrependimento de nossos pecados, foi Ela que pediu, foi assim que nós obtivemos.
Se temos vontade de fazer penitência, foi Ela que pediu. Se tivermos força para executar a penitência que devemos, é Ela que nos pedirá essa força. E no fim, feita a penitência, e sentindo-nos reconciliados com Deus, Ela é o sorriso de Deus para nós. De maneira que, como filhos de Nossa Senhora que somos, devemos terminar essa reflexão com: Salve Regina Mater Misericórdia!…
Plinio Corrêa de Oliveira
557 artigosHomem de fé, de pensamento, de luta e de ação, Plinio Corrêa de Oliveira (1908-1995) foi o fundador da TFP brasileira. Nele se inspiraram diversas organizações em dezenas de países, nos cinco continentes, principalmente as Associações em Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), que formam hoje a mais vasta rede de associações de inspiração católica dedicadas a combater o processo revolucionário que investe contra a Civilização Cristã. Ao longo de quase todo o século XX, Plinio Corrêa de Oliveira defendeu o Papado, a Igreja e o Ocidente Cristão contra os totalitarismos nazista e comunista, contra a influência deletéria do "american way of life", contra o processo de "autodemolição" da Igreja e tantas outras tentativas de destruição da Civilização Cristã. Considerado um dos maiores pensadores católicos da atualidade, foi descrito pelo renomado professor italiano Roberto de Mattei como o "Cruzado do Século XX".
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