Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
5 min — há 8 anos — Atualizado em: 5/1/2017, 9:25:52 PM
O Reino Unido está potencialmente fora da União Europeia (UE), 51,9 a 48,1% a favor da saída. No fundo, ninguém acreditava que depois de uma permanência de 43 anos, ele lhe viraria as costas. O mundo amanheceu em estado de choque. Ou foram apenas a Inglaterra e o País de Gales? De fato o Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte, que é um Estado soberano, é composto de quatro nações constituintes, também chamadas países, ou home nations.
A Inglaterra pode sair só, ou juntamente com o País de Gales? E os dois outros países que votaram pela permanência? Nicola Sturgeon, primeira-ministra da Escócia anunciou “discussões imediatas” com Bruxelas e países da UE para “proteger o lugar do país no bloco”. Confirmou: “O segundo referendo de independência é claramente uma opção que deve estar sobre a mesa, e está sobre a mesa”. Por sua vez, a Irlanda do Norte também abriga setores importantes que desejam se unir à República da Irlanda, membro da UE. Esta mesma divisão se manifestou candente quanto a regiões, grandes cidades versus interior, faixas de idades, faixas de renda, faixas de escolaridade.
Ou seja, esfacelou-se política e socialmente o Reino Unido e já apareceram iniciativas querendo consertar o estrago. Circula petição ao Parlamento para que novo plebiscito seja convocado, passam de 2,5 milhões as assinaturas (na hora que escrevo). Esperam que o inglês, repensando o voto, anule o antes impensável, por ora aparentemente irreversível.
O terremoto inglês causou tremores na Europa inteira: existem movimentos reclamando plebiscitos em vários países. Putin dispõe de momento de mais liberdade de ação.
O que virá? Ninguém sabe, confusão nos mercados, nas chancelarias e nas cabeças. Pensar é distinguir. Então, vamos pensar, distinguindo, destacando em particular dois pontos.
Afirmam analistas, a razão maior do voto Brexit foi o temor xenófobo da imigração descontrolada no Reino Unido que ameaçaria empregos, serviços sociais e a cultura do país. Em termos. Os jovens, ainda que os maiores ameaçados pela perda de empregos, votaram maciçamente para permanecer. Pesou aqui o cosmopolitismo. E os velhos, boa parte já aposentada, sentiriam então mais a ameaça cultural e votaram em maioria pelo Brexit. As grandes capitais, de maioria cosmopolita, pela permanência; o interior, apegado aos costumes, pela saída. A mais, a muitos irritava a ditadura burocrática de Bruxelas, 40 mil funcionários e, em alguns, a agenda libertária.
Mudo o ponto de vista. Alguns comentaristas destacam, vejo razão neles, pesou em proporção difícil de avaliar a nostalgia da Inglaterra tradicional, poderosa, com seu traço de insularidade e soberania altiva. Com efeito, deixaram marcas profundas na mentalidade inglesa a Guerra dos Cem Anos, o episódio da Invencível Armada, as disputas com Luís XIV, as batalhas contra Napoleão, a oposição à Alemanha na 1ª Grande Guerra, a luta contra Hitler. Exprimem a posição de um país que se sente ameaçado pela potência dominante no Continente. Este tipo de inglês cansou de se sentir dependente de Bruxelas. Em reto, o passado cobrou sua fatura. É antipático? Não, de si é saudável a afirmação da personalidade própria e a defesa de suas liberdades e direitos. Nesse aspecto, merece simpatias o voto Brexit.
Viro a página. A Europa sempre teve necessidade de alguma união política para garantir a convivência interna civilizada e ser escudo contra agressões de inimigos. Tal necessidade, ideal perene, esteve entre os fundamentos da multissecular política da República de Roma, depois do Império Romano e foi aspiração carolíngia, bafejando a coroação de Carlos Magno no Natal do ano 800 pelo Papa Leão III. Inspirou o Sacro Império, fez parte da política secular dos Habsburgos. Napoleão representou concepção desnaturada do mesmo anseio. Hitler também dele se aproveitou criminosamente. Em dito contexto, os Papas em muitas épocas e ocasiões foram ponto de união, harmonização e defesa da Europa. São exemplos o encontro de são Leão Magno com Átila em 452 e a ida de Henrique IV a Canossa em 1077 para pedir perdão a são Gregório VII.
Na recente crise ucraniana, Putin sentiu a força dessa política multissecular. Em Moscou, diante do autocrata russo, maio de 2015, Angela Merkel, de alguma maneira falando pela Europa, advertiu-o com nota intimidadora: “Nos últimos anos procuramos de modo crescente a cooperação [da Rússia e Alemanha]. A anexação criminosa e ilegal da Crimeia e a guerra na Ucrânia oriental representaram séria derrota nessa cooperação”. Aliás, até agora foram dela as mais sensatas e construtivas palavras na presente crise: “A União Europeia não precisa ser dura com os britânicos”.
Não convém subestimar o perigo latente. A saída da Inglaterra pode ser enorme passo no rumo do desconjuntamento e da desagregação europeia, que entre outras sequelas ficaria mais exposta ao poder russo, em especial Polônia, Hungria, países bálticos, países nórdicos. A Europa estaria ainda em condições pioradas para fazer frente ao poder islâmico expansionista e às manobras imperialistas de Beijing.
De outro lado, a advertência do voto inglês pode ter efeito saudável. Como instância suprema, à Europa não ajuda um poder intervencionista, burocrático, libertário em temas morais. Precisa, isso sim, de um poder de harmonização e defesa que respeite o princípio de subsidiariedade, bem como tenha em consideração direitos de povos, regiões e famílias.
Havendo saída de algum país, que sejam preservados os mais decisivos interesses europeus; se houver permanência, que daqui em diante não sejam mais lesionados direitos de povos, regiões e famílias.
Seja o primeiro a comentar!