Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
13 min — há 4 anos — Atualizado em: 10/17/2020, 6:22:35 PM
Trecho do livro: Nobreza e elites tradicionais análogas nas Alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana*
A manifestação do espírito medieval, enquanto pugnaz e guerreiro, como também o carácter militante da Igreja, talvez causem estranheza aos “fundamentalistas” do pacifismo contemporâneo, absolutamente intolerantes contra toda e qualquer espécie de guerra, pois aos ouvidos deles as expressões “guerra santa” e “guerra lícita” soam como radicalmente contraditórias.
Não será supérfluo pôr-lhes à disposição diversos textos de Pontífices Romanos e de pensadores católicos do melhor quilate, nos quais possam ver que tal contradição não existe.
Segundo o Dictionnaire Apologétique de la Foi Catholique no verbete intitulado “Paix et Guerre” o ensinamento de Santo Agostinho a propósito da paz e da guerra pode ser condensado em quatro tópicos:
“Em primeiro lugar há guerras que são justas. São as que tendem a reprimir uma acção culpável da parte do adversário.
“Porém, a guerra deve ser considerada como um remédio extremo ao qual apenas se recorre depois de haver reconhecido a evidente impossibilidade de salvaguardar de outro modo a causa do legítimo direito. Com efeito, mesmo sendo justa, a guerra determina tantos e tão grandes males – mala tam magna, tam horrenda, tam saeva – que só constrangido por um imperioso dever se pode desencadeá-la.
“O fim legítimo da guerra não é a vitória com as satisfações que traz, mas sim a paz na justiça, ou seja, o restabelecimento durável de uma ordem pública na qual cada coisa seja reposta no seu preciso lugar….
“Por fim, as desgraças da guerra constituem nesta vida um dos castigos do pecado. Mesmo quando a derrota humilha aqueles que estavam com a razão, é necessário ver esta dolorosa prova como querida por Deus para punir e purificar o povo das faltas das quais ele mesmo se deve confessar culpado.” (*).
(*) YVES DE LA BRIRE, Paix et Guerre, in Dictionnaire Apologétique de la Foi Catholique, Gabriel Beauchesne Éditeur, Paris, 1926, t. III, col. 1260.
Ainda segundo a mesma fonte, S. Tomás de Aquino “enuncia as três condições que tornam legítimo, em consciência, o recurso à força das armas.
“1º – Que a guerra seja empreendida não por simples particulares, ou por alguma autoridade secundária …. mas sempre pela autoridade que exerce no Estado o poder supremo.
“2º – Que a guerra seja motivada por uma causa justa, isto é, que se combata o adversário em razão de uma falta proporcionada que ele tenha realmente cometido. ….
“3º – Que a guerra seja conduzida com recta intenção, isto é, fazendo lealmente esforço para buscar o bem e evitar o mal, em toda a medida do possível. ….
“Esta doutrina de S. Tomás é confirmada, indirecta mas evidentemente, nas Bulas pontifícias, nos Decretos conciliares da Idade Média a propósito da paz de Deus, da trégua de Deus, e da regulamentação pacífica e por arbítrio dos conflitos entre reinos. Documentos estes que pela sua concordância traduzem o autêntico pensamento da Igreja e o espírito geral do seu ensinamento sobre as questões morais concernentes ao direito de paz e de guerra. ….
“A prática dos Papas e dos Concílios corrobora e dá crédito ao ensinamento dos Doutores [sobre a matéria], cujos três princípios fundamentais S. Tomás põe em relevo” (*).
(*) idem, cols. 1261-1262.
Sobre a liceidade da guerra contra os pagãos, S. Bernardo, o Doutor Melífluo, tem estas candentes palavras:
“Os cavaleiros de Cristo podem com tranquilidade de consciência combater os combates do Senhor, não temendo, de maneira nenhuma, nem o pecado pela morte do inimigo, nem o perigo da própria morte: pois a morte, neste caso, infligida ou sofrida por Cristo, nada tem de criminoso, e muitas vezes traz consigo o mérito da glória. Pois, com a primeira alcança glória para Cristo, com a outra alcança o próprio Cristo. O qual sem dúvida, toma prazenteiramente a morte do inimigo como punição; e mais prazenteiramente ainda se dá ao soldado como consolação. O cavaleiro de Cristo mata com a consciência tranquila e morre ainda mais seguro de si. Morrendo trabalha por si mesmo; matando trabalha por Cristo. E não é sem razão que ele porta o gládio: ele é o ministro de Deus para a punição dos maus e exaltação dos bons. Quando mata um malfeitor não é homicida mas, por assim dizer, malicida; e é necessário ver nele tanto o vingador que está a serviço de Cristo, como o defensor do povo cristão. Quando porém é morto, considera-se não ter morrido, mas ter chegado à glória eterna. Portanto, a morte que ele inflige é um benefício para Cristo; a que recebe, é um beneficio para si mesmo. Na morte do pagão o cristão gloria-se porque Cristo é glorificado; na morte do cristão, a liberalidade do rei mostra-se quando exalta o soldado que merece ser recompensado. Sobre ele se alegrará o justo quando perceber a punição. Dele dirá o homem: `Deveras há recompensa para o justo; deveras há um Deus que julga sobre a terra’ (Sl. 57, 12). Os pagãos até não deveriam ser mortos, se se pudesse impedir dalguma outra maneira as suas grandíssimas vexações e retirar-lhes os meios de oprimir os fiéis. Mas actualmente é melhor que sejam mortos a fim de que, desse modo, os justos não se dobrem à iniquidade das mãos deles, pois do contrário certamente se manterá a chibata dos pecadores sobre a classe dos justos” (*).
(*) De laude novae militiae, Migne P.L., t. 182, col. 924.
Do Seráfico Doutor, S. Boaventura, apresentamos o seguinte juízo sobre o assunto:
“Para a liceidade [da guerra] exige-se …. que a pessoa que declare a guerra esteja investida de autoridade, que aquele que faça a guerra seja um leigo, …. que aquele contra o qual se faça a guerra seja de uma tal insolência que deva ser reprimido pela guerra. Uma causa suficiente é: a protecção da Pátria, ou da paz, ou da Fé” (*).
(*) Opera Omnia, Vives, Paris, 1867, t. X, p. 291.
Francisco Suárez, S.J., teólogo de reconhecida autoridade no pensamento católico tradicional, assim se exprime, na sua conhecida obra De Bello, onde compendiou a doutrina da Igreja sobre o referido tema:
“A guerra, em si, não é intrinsecamente má, nem está proibida aos cristãos. É uma verdade de Fé contida expressamente na Sagrada Escritura, pois no Antigo Testamento louvam-se as guerras empreendidas por varões muito santos: `Oh Abraão! Bendito és do Deus excelso que criou o Céu e a Terra; e bendito seja o excelso Deus por cuja protecção caíram em tuas mãos os inimigos’ (Gén. 14, 19-20). Passagens parecidas lêem-se sobre Moisés, Josué, Sansão, Gedeão, David, os Macabeus e outros, aos quais muitas vezes Deus mandava fazer a guerra contra os inimigos dos Hebreus; e S. Paulo diz que os santos conquistaram impérios pela Fé. Isto mesmo confirmam outros testemunhos dos Santos Padres citados por Graciano; e também Santo Ambrósio em vários capítulos do seu livro sobre os deveres” (*).
(*) De Bello, sectio prima, 2, apud LUCIANO PEREÑA VICENTE, Teoria de la Guerra en Francisco Suárez, C.S.I.C., Madrid, 1954, vol. II, pp. 72 e 74.
Nos nossos dias, um alentado e muito bem documentado estudo sobre o direito da Igreja de promover a guerra contra os infiéis e os hereges, foi publicado em 1956, tendo como autor Mons. Rosalio Castillo Lara (*), posteriormente elevado ao cardinalato. A obra fornece dados do maior interesse para mostrar como a Igreja exercia de facto aquele poder, fundamentada em princípios de ordem jurídica e doutrinária. Seleccionamos aqui alguns trechos do estudo do referido Cardeal que bem ilustram essa atitude combativa dos Papas medievais:
(*) Coacción Eclesiástica y Sacro Romano Imperio – Estudio jurídico-histórico sobre la potestad coactiva material suprema de la Iglesia en los documentos conciliares y pontificios del período de formación del Derecho Canónico clásico como un presupuesto de las relaciones entre Sacerdotium e Imperium, Augustae Taurinorum, 1956, Torino, 303 pp.
“Todos os autores estão de acordo em conceder à Igreja um direito à vis armata virtual, sem a qual seria inútil qualquer coacção material. Consiste no poder de exigir autoritariamente do Estado o préstimo da sua força armada para fins puramente eclesiásticos, ou seja, o que habitualmente se entende por invocar o auxílio do braço secular” (*).
(*) op. cit., p. 69.
A respeito das Cruzadas contra os infiéis e da sua convocação pelos Papas, pode-se ler o seguinte:
“As Bulas de Cruzadas e cânones conciliares apresentam sempre como principalíssimo fim a reconquista da Terra Santa, ou, segundo o momento histórico, a conservação do reino cristão de Jerusalém, fruto da primeira Cruzada. A isto acrescenta-se a libertação dos cristãos cativos e, em consequência, combater e confundir a audácia dos pagãos que insultavam a honra e o nome cristãos. Na concepção medieval, todas estas finalidades eram completamente religiosas. As motivações, por exemplo, para induzir os fiéis a tomar parte nas expedições eram todas desse carácter; giram em torno de um conceito central: a santidade dos lugares consagrados pelo nascimento, vida e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, que não podem continuar a ser profanados pela presença dos infiéis. A Cristandade tem um direito adquirido e imprescritível sobre essas terras. ….
“Este conceito religioso impregna completamente todas as expedições das Cruzadas e predomina, ao menos virtualmente, sobre os outros móveis políticos ou temporais que a ele se misturavam. ….
“Celestino III faz ver como combater pela Terra Santa é servir a Cristo, a que estão obrigados os seus seguidores: `Ecce qui nunc cum Cristo non fuerit, juxta Evangelicae auctoritatis doctrinam ipse erit adversus’ [quem agora não se declare por Jesus Cristo será, segundo proclama com autoridade a doutrina do Evangelho, seu inimigo].
“As Bulas de Inocêncio III que tratam deste tema são muito numerosas e a finalidade não se afasta da linha tradicional: a Cruzada tende `ad expugnandam paganorum barbariem et haereditatem Domini servandam ad vindicandam injuriam crucifixi, ad defensionem Terrae nativitatis Domini’ [para destruir a barbárie dos pagãos, guardar a herança do Senhor e vingar a injúria feita ao Crucificado, na defesa da terra em que Nosso Senhor nasceu].
“Porém Inocêncio III prefere um terreno mais concreto e dá uma nova fórmula às tradicionais motivações, colocando a obrigação dos cristãos de participar na Cruzada num plano quase jurídico: o dever de vassalagem que liga os cristãos ao seu Rei, Jesus Cristo.
“Numa epístola ao Rei de França explica: assim como seria um crime de lesa-majestade para um vassalo não ajudar o seu senhor expulso da sua terra e talvez cativo, `similiter Iesus Christus Rex regnum et Dominus dominantium … de ingratitudinis vitio et veluti infidelitatis crimine te damnaret, si ei ejecto de terra quam pretio sui sanguinis comparavit et a Sarracenis in salutiferae crucis ligno quasi captivo detento negligeris subvenire’ [de modo semelhante, Jesus Cristo, Rei dos reis e Senhor dos senhores … te condenaria pelo pecado de ingratidão e como réu do crime de infidelidade, se estando Ele expulso da terra que comprou com preço do Seu Sangue, e retido como um escravo pelos sarracenos no salutar madeiro da cruz, tu negligenciasses vir em Sua ajuda].
“Honório III ressalta a injúria e a desonra que caem sobre Cristo e os cristãos em consequência da posse da Terra Santa pelos ímpios e blásfemos sarracenos. Isto é um motivo suficiente para tomar as armas….
“O dever de vassalagem é tão estrito e a injúria a Cristo deve mover os cristãos de tal forma, que aquele que se mostrar negligente bem poderia temer pela sua eterna salvação. ….
“Inocêncio IV considera a libertação da Terra Santa como obra estritamente eclesiástica, à qual estão principalmente obrigados os prelados, uma vez que trará grande incremento à Fé católica. ….
“Gregório X confessava que não almejava senão a libertação da Terra Santa, o que considerava o principal objectivo do seu pontificado. ….
“Em conclusão: para o pensamento oficial da Igreja as Cruzadas eram uma obra santa, de carácter estritamente religioso. …. Como consequência, caíam dentro do âmbito da Igreja, que tomava quase sempre a iniciativa de promovê-las, controlá-las e dirigi-las com a sua autoridade” (*).
(*) op. cit., pp. 85-89.
As Ordens Militares constituíram o braço armado da Igreja. Sobre elas assim discorre o erudito purpurado na sua valiosa obra:
“As Ordens Militares são uma fiel expressão do que se poderia considerar como a vis armata eclesiástica. Com efeito, os seus membros eram ao mesmo tempo soldados e monges. Como religiosos, professavam os três votos tradicionais sob uma Regra aprovada pela Santa Sé. Como soldados, formavam um exército permanente disposto a entrar em batalha onde quer que ameaçassem os inimigos da religião cristã. O fim eclesiástico, a que exclusivamente se propunham, e a dependência da Santa Sé em que os colocava o voto de obediência, faziam deles os soldados da Igreja.
“Institucionalmente eram religiosos leigos [não sacerdotes] consagrados à guerra em defesa da Fé. Este facto de haver inserido dentro do quadro das instituições puramente eclesiásticas um corpo de soldados, revela na Igreja a íntima consciência de possuir um supremo poder coactivo material, do qual participavam, como delegados, estes monges guerreiros.
“Não há outro modo de explicar a aprovação destas ordens. A Igreja tornava-as, com a aprovação, estritamente suas e santificava o fim ao qual, por profissão, deviam tender estes cavaleiros, que não era outro senão a guerra” (*).
(*) op. cit., pp. 109-110.
E ainda sobre a liceidade da guerra acrescenta o Cardeal:
“Ao lançar os Pontífices o apelo à Cruzada, ao animar os soldados e tomar a sua alta direcção nunca se puseram o problema da incongruência da guerra com o espírito da Igreja, nem se perguntaram se tinham direito a organizar exércitos e lançá-los contra os infiéis. …. Os Papas, em consequência, não só não o consideravam ilícito, como tinham a consciência de exercer com isso um poder próprio: o supremo poder coactivo material; nem sonhavam remotamente invadir com isso a esfera do temporal que sabiam reservada somente ao Estado” (*).
(*) op. cit., p. 115.
O livro Nobreza e elites tradicionais análogas nas Alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana está disponível para download em: https://www.pliniocorreadeoliveira.info/LN_1993_ed_portuguesa.htm
Plinio Corrêa de Oliveira
557 artigosHomem de fé, de pensamento, de luta e de ação, Plinio Corrêa de Oliveira (1908-1995) foi o fundador da TFP brasileira. Nele se inspiraram diversas organizações em dezenas de países, nos cinco continentes, principalmente as Associações em Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), que formam hoje a mais vasta rede de associações de inspiração católica dedicadas a combater o processo revolucionário que investe contra a Civilização Cristã. Ao longo de quase todo o século XX, Plinio Corrêa de Oliveira defendeu o Papado, a Igreja e o Ocidente Cristão contra os totalitarismos nazista e comunista, contra a influência deletéria do "american way of life", contra o processo de "autodemolição" da Igreja e tantas outras tentativas de destruição da Civilização Cristã. Considerado um dos maiores pensadores católicos da atualidade, foi descrito pelo renomado professor italiano Roberto de Mattei como o "Cruzado do Século XX".
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