Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
9 min — há 7 anos — Atualizado em: 9/1/2017, 8:46:52 PM
Anos atrás pareceria inconcebível perguntar a quem incumbe a autoridade sobre os filhos, se aos pais ou aos juízes.
Hoje, por absurdo que pareça, os magistrados se arrogam o direito de decidir o futuro das crianças, a despeito da opinião dos próprios pais. É o que está ocorrendo num dramático caso que se tornou internacional, fruto da socialização da medicina guiada por um “humanismo racionalista e utilitarista, desprovido de valores absolutos, ou seja, [de um] relativismo moral e niilismo”, como diz um comentarista moderno.(1)
Trata-se do caso de Charlie Gard [foto ao lado], um bebê britânico de dez meses, portador de uma enfermidade muito rara — a Síndrome de Esgotamento Mitocondrial. Apenas outros 16 meninos em todo o mundo sofrem dessa síndrome, que leva os músculos, pulmões e outros órgãos a ficarem sem energia, podendo ser letal. Por isso o pequenino Charlie está conectado a um ventilador artificial no hospital Great Ormond Street, em Londres, acompanhado por seus pais, Christopher e Connie [foto acima], que com os donativos oriundos de todo o mundo obtiveram o suficiente para levar o filho aos Estados Unidos, onde um hospital se prontificou a tentar um tratamento que, com a ajuda de Deus, poderá dar resultado.
No entanto, os pais não podem tomar esse caminho e seguir o exemplo da Sagrada Família, que para salvar o Menino Jesus da sanha sanguinária de Herodes partiu rumo ao Egito. Pois Charlie está impedido de sair do hospital. Praticamente sequestrado, acompanham-no, além dos pais, uma medalha de Jesus e uma oração ao Anjo da Guarda.
Após recurso ao Tribunal de Apelações do Reino Unido, os pais do Charlie recorreram à Corte Suprema. Ambos lhes negaram o direito de trasladar Charlie aos Estados Unidos, ou até mesmo de levá-lo para morrer em casa. Pelo contrário, autorizaram os médicos a desconectarem o bebê, alegando que o tratamento nos EUA seria inútil. E hipocritamente, “com o maior dos pesares”, asseguraram “estar fazendo o melhor para o bebê”,cujo “superior interesse deve prevalecer” — o de fazê-lo “morrer sem dor”.
Contestando o parecer dos médicos e do juiz, Christopher afirma: “Estamos convencidos de que Charlie não sente dor. Quando percebe nossa presença, procura abrir os olhos como pode, pelo que não cremos que esteja cego. Conhecendo nosso filho, não cremos que Charlie tenha dano cerebral estrutural, como dizem os médicos. Se pensássemos que não há nenhuma esperança, não lutaríamos por ele. Mas se há a menor possibilidade de que um tratamento funcione, e o doutor nos Estados Unidos assim no-lo disse, que pai não o tentaria?” — argumenta, com muita lógica.
Diante dessa ditadura judicial, o que mais poderiam fazer os pais aflitos? Resolveram, como última tentativa, apelar para o Tribunal de Direitos Humanos de Estrasburgo. Os sete juízes encarregados de decidir sobre o caso obrigaram o hospital londrino a manter viva a criança, concedendo-lhe todos os cuidados possíveis, até tomarem a decisão final.
Havia, pois, esperanças de que esse Tribunal desse um parecer favorável ao direito dos pais de decidirem o que fazer com o filho. Contudo, padecendo do pragmatismo e do ateísmo que avassalam o mundo de hoje, seus magistrados deram absurdamente razão aos juízes e médicos londrinos, ou seja, que era melhor para o menino desconectar os aparelhos que lhe permitem respirar, para deixá-lo “morrer com dignidade”.
Os juízes haviam estabelecido 30 de junho como o dia fatal para o desligamento dos aparelhos. Mas foi tão grande a indignação suscitada em todo o mundo pela iníqua decisão, que eles adiaram a data, mas não cancelaram a pena.
Ateus, esses magistrados nem levaram em conta a existência de pelo menos dois precedentes em tal caso: o de uma menina e de um menino italianos desenganados pelos médicos, e que não obstante estão hoje com quatro e nove anos de idade, respectivamente. A mãe do menino disse que “o princípio que deve guiar o ser humano é proteger e defender a vida deste menino, seja por poucas horas, seja por oitenta anos”.
O National Catholic Register comenta que uma das consequências do caso Charlie serão suas metástases, podendo ser aplicado depois até nos casos de doenças com melhores diagnósticos e mais comuns.(2)
O que está acontecendo é tão absurdo, que está levantando a indignação em quase todo o mundo. Uma delas conseguiu até agora enviar 183.602 assinaturas ao hospital londrino, pedindo que este libere o menino e o entregue a seus pais. Já surgiu outra iniciativa que tem como lema “JeSuisCharlieGard”, reunindo pessoas de vários países.
Um grupo de pais romanos enviou uma carta ao Papa Francisco, pedindo-lhe que ajudasse o menino inglês intercedendo por ele junto aos órgãos competentes.(3) O Papa havia se referido ao caso de uma maneira indireta, sem citar o menino. Mas, segundo diz em seu blog Il Straniero o jornalista Antonio Socci, “ocorreram espontaneamente uma centena de vigília de orações e, sobretudo, muitos e muitos católicos de todas as partes tomaram de assalto a central telefônica da Secretaria de Estado Vaticana e de Santa Marta, para pedir uma intervenção urgente do Papa Bergolio”. De onde esta notícia: “O Santo Padre – afirma o porta-voz do Vaticano Greg Burke — segue com afeição e emoção a história de Charlie Gard, e expressa sua proximidade com os pais. Ele reza por eles, desejando que o desejo deles de acompanhar com cuidado o próprio filho até o fim seja respeitado”.(4)
O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, também se manifestou em um tweet: “Se pudermos ajudar o pequeno Charlie Gard como os nossos amigos do Reino Unido e o Papa, nos alegraremos em fazê-lo”.(5)
O cardeal Elio Sgreccia, ex-presidente da Academia Pontifícia para a Vida e um dos maiores peritos mundiais em Bioética, publicou no blog Il donno della vitta dez pontos, nos quais comenta com muita vivacidade e erudição a sentença e os argumentos dados pelos juízes justificando a morte de Charlie Gard.(6)
Não podendo deixar de se manifestar, o Presidente da Pontifícia Academia pela Vida, Dom Vicente Paglia, fez um inócuo comentário, que desapontou os que esperavam dele um categórico pronunciamento a favor da família e da vida.
Javier Lozano, jornalista do site católico Religionenlibertad, pergunta com muita indignação: “O Estado está acima dos pais? Podem alguns médicos decidir deixar uma criança morrer apesar da oposição de seus progenitores? Podem alguns juízes retirar, de fato, o pátrio poder de alguns pais que querem salvar seu filho e, para isso, trasladá-lo aos Estados Unidos para receber um tratamento experimental? Pode o juiz dizer que desconectar o bebê é deixá-lo ‘morrer com dignidade’, passando por cima da opinião dos que trouxeram o pequeno ao mundo?”(7)
O jornalista Elton Chicolina, por sua vez, argumenta com toda propriedade no site Aleteia: “Se uma família quer tentar um último recurso em prol da vida de um filho, por sua própria conta, por mais que as chances de sucesso sejam praticamente nulas, o Estado tem a prerrogativa de proibi-la? O Estado tem autoridade legítima para obrigar um pai e uma mãe a desligarem os aparelhos que mantêm o seu bebê vivo, quando ainda resta uma tênue e remota chance de tratamento? […] É este o Estado que desejamos? Se for, devemos estar cientes de que se trata de um Estado que permite ao arbítrio de um grupo de magistrados sentenciar de maneira absolutista contra o direito natural de um pai e de uma mãe a manterem o próprio filho vivo até que ele faleça pelo esgotamento de todos os recursos lícitos disponíveis — recursos, aliás, que, no caso de Charlie, seriam bancados pelos próprios pais e pelas doações de milhares de voluntários, e não pelo Estado”.(8)
Aleteia vai mais longe: “Que grau de monstruosidade é necessário, consciente ou já subconscientemente, para sentenciar um bebê à morte e se dirigir com tamanha hipocrisia aos pais da sua vítima indefesa? Uma vítima que ainda tem uma chance a seu alcance!” (9)
Em seu blog, Rodrigo Constantino conclui: “[Como diz Walsh,] esse é o resultado da medicina socializada, de quando os pais têm seus direitos subordinados ao Estado, e de quando a vida humana não é mais sagrada. Talvez a vida das baleias ou das tartarugas desperte mais comoção hoje do que a vida de bebezinhos com doenças terminais, pois é proibido ‘sofrer’. De fetos no ventre, então, nem se fala! Esses podem ser simplesmente eliminados como se fossem parasitas, e os ‘direitos’ das mulheres atropelam qualquer direito à vida do bebê. É como se ela fosse cortar a unha ou o cabelo, e ponto final.”
Entretanto, uma voz categórica se elevou no setor eclesiástico. Foi o pronunciamento do conhecido cardeal Carlo Caffarra [foto], um dos quatro assinantes dos dubia dirigidos ao Papa Francisco. Em entrevista concedida ao Il Giornale, ele disse: “Chegamos aos limites da cultura da morte. São as instituições públicas, os tribunais, que decidem se uma criança tem ou não o direito de viver. Inclusive contra a vontade de seus pais! Chegamos ao fundo da barbárie”. E acrescentou: “Somos, por acaso, filhos das instituições, ou lhes devemos a vida? Pobre Ocidente! Rechaçou a Deus e sua paternidade, e se encontra entregue à burocracia! O anjo de Charlie vê sempre o rosto do Pai. Detende-vos, em nome de Deus. De outra forma vos digo com Jesus: ‘Seria melhor que vos atásseis ao pescoço uma roda de moinho, e vos lançásseis ao fundo do mar (Mc 9, 42).”(10)
Enquanto escrevemos o presente artigo, surpreendeu-nos a boa notícia de que teria surtido efeito o vídeo difundido na quinta-feira pelos pais de Charlie, denunciando a pressa do hospital em acabar com a vida de seu filho e não deixando sequer levá-lo para morrer em casa. Connie Yates, a mãe da criança, anunciou no Facebook uma prorrogação para sua vida(11). Esperemos que, com a pressão mundial, esse caso tenha um feliz desenlace, para alegria de todos.
Quão terríveis são os tempos em que vivemos, com a morte da fé e a consequente queda da moralidade! Que Deus tenha piedade deste mundo pecador e neopagão!
Notas:
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