Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
16 min — há 11 anos — Atualizado em: 9/1/2017, 9:25:35 PM
No dia 19 de setembro, “Civiltà Cattolica”, a principal revista da Companhia de Jesus, simultaneamente com outras publicações da mesma Ordem, publicou uma entrevista concedida pelo Papa Francisco, a qual foi comentada favoravelmente pela mídia internacional.
O impacto da entrevista sobre a opinião pública foi enorme e deu origem a muito debate. Inúmeros setores católicos conservadores ficaram perplexos, enquanto os secularistas — incluindo os movimentos abortista e pró-homossexual — lhe deram um surpreendente apoio.
Causaram particularmente escândalo as afirmações do Papa de que “não podemos insistir somente sobre questões ligadas ao aborto, ao casamento homossexual e ao uso dos métodos contraceptivos. Isto não é possível”. E que “uma pastoral missionária não está obcecada pela transmissão desarticulada de uma multiplicidade de doutrinas a se impor insistentemente”.(1)
Posteriormente, no dia 1º de outubro, o mesmo Soberano Pontífice concedeu uma entrevista ao jornalista e político ateuEugenio Scalfari, fundador do jornal secularista radical “La Repubblica”.(2) [foto no topo]
O destaque desta última entrevista foi para as afirmações do Papa de que “não existe um Deus católico”; de que o proselitismo “é um solene disparate” (solenne sciocchezza); de que ao encontrar um clerical, ele (o Papa)se “torna imediatamente anticlerical”;deque cada um pode seguir a sua concepção do bem e do mal; de que os chefes da Igreja foram com frequência narcisistas, etc.
É bem evidente que em tais entrevistas o Papa não fez uso de sua prerrogativa de infalibilidade, isto é, não falou empenhando sua suprema autoridade apostólica, nem definiu doutrinas em matéria de fé e moral que devem ser aceitas por toda a Igreja.(3)
“Lifesitenews.com” publicou estudo de um teólogo romano especializado em eclesiologia, que após explicar que as entrevistas do Papa não envolvem infalibilidade, afirmou:
“Nós podemos olhar para as palavras e ações do Papa e, com espírito de humildade e caridade, chegar à conclusão de que elas não são de nenhuma ajuda particular, ou que são positivamente contraproducentes e mesmo perigosas. Nesse caso, podemos ter a obrigação de nos pronunciar ou mesmo de resistir ao Papa. Eu digo podemos: uma pessoa não tem sempre a obrigação de agir, especialmente quando percebe que a ação não resultará em um bem, ou que ela poderia, inclusive causar um mal maior”.(4)
O porta-estandarte do movimento abortista nos Estados Unidos, a National Abortion and Reproductive Rights Action League — NARAL-Pro-Choice America, colocou uma nota de agradecimento ao Papa em sua página do “Facebook” com os dizeres:
“Caro Papa Francisco: Obrigado. Assinado, mulheres pró-escolha de todas as partes. NARAL Pro-choice America”.(5)
Por seu lado, Carmen Barroso, diretora regional da International Planned Parenthood Federation — Western Hemisphere Region, que promove o aborto em todo o mundo, escreveu esta carta ao Editor de “The New York Times”, publicada em 21 de setembro:
“Nós saudamos o desejo do Papa Francisco de encontrar ‘um novo equilíbrio’ dentro da Igreja Católica e assegurar que ela seja verdadeiramente um ‘lar para todos’.
“O reconhecimento de que a Igreja está fora do ritmo dos tempos modernos não poderia chegar em momento melhor: quando os líderes mundiais estão reunidos nas Nações Unidas para discutir os parâmetros da agenda do novo desenvolvimento global e da saúde, em que os direitos das mulheres e dos jovens devem ser priorizados. Isso significa assegurar acesso a uma ampla educação sexual, contracepção e facilidades para o abortoseguro —necessidades às quais o Vaticano tem se oposto com veemência.
“Nós esperamos que este seja um passo adiante na linha de tornar as violações dos direitos reprodutivos e sexuais uma coisa do passado.”(6)
Em uma entrevista à Rede de televisão MSNBC, a freira Jeannine Gramick [foto], co-fundadora do New Ways Ministry, uma organização oposta à doutrina católica em relação à prática homossexual, contou que chorou de alegria ao ler a entrevista do Papa.(7)
Da mesma maneira, Marianne T. Duddy-Burke (“casada” com uma ex-freira), (8) diretora executiva do movimento homossexual “católico” DignityUSA, declarou: “LGBTs católicos e seus aliados se regozijarão com a conclamação do Papa para que os líderes da Igreja focalizem mais em ser pastores do que aplicadores de leis. Esperamos que os bispos atendam a essa diretriz e cessem imediatamente suas campanhas anti-LGBT, [como também] as demissões de empregados da Igreja pelo que eles são[isto é, por serem homossexuais], os ataques às pessoas que questionam os ensinamentos oficiais [da Igreja], e a retórica exclusiva e crítica que muito frequentemente se ouve dos púlpitos”. E continua: “O Papa não teve ambiguidades: abandonem as intimidações dos púlpitos e acompanhem seu povo.” (9)
Por sua vez, o Arcebispo de Filadélfia, D. Charles Chaput [foto], na sua coluna de 25 de setembro no jornal diocesano, diz que entre as mensagens que recebeu sobre a entrevista do Papa:
“As mais comuns eram os emails de catequistas, de pais e de católicos comuns que se sentiam confusos pelas manchetes da mídia sugerindo que a Igreja, de algum modo, tinha mudado seu ensinamento numa variedade de questões morais.”
E exemplifica: “Ouvi de uma mãe de quatro filhos — um adotado, outro deficiente desde o nascimento — e que passou anos aconselhando jovens grávidas [a não abortarem] e abrindo clínicas pró-vida. Ela queria saber por que o Papa parece rejeitar os seus sacrifícios. Um padre disse que o Papa ‘implicitamente acusou de serem obtusos seus irmãos no sacerdócio que tomam com seriedade os problemas morais’ e que ‘[se você é um padre], ser moralmente sério é mais provável que venha a ser agora classificado publicamente como um problema.’ Um outro padre escreveu que ‘o problema é que [o Santo Padre] torna feliz as pessoas erradas, pessoas que nunca irão acreditar no Evangelho e continuarão a perseguir a Igreja’”. (10)
Em uma declaração ao jornal “The Press Democrat”, de Santa Rosa (Califórnia), o bispo dessa cidade, Dom Robert Vasa [foto], disse que não tem visto obsessão a respeito do aborto, contracepção e homossexualidade.E comentou:
“Conheço pessoas — entre as quais certamente me incluo — que acreditam firmemente que essas são questões culturais fundamentais sobre as quais se deve ser incisivo”. E acrescentou: “Mas eu não estou obcecado com elas. A grande maioria das coisas que escrevo não inclui os temas da contracepção ou do divórcio e novo casamento”.
Ele se pergunta: “Há uma necessidade de se pregar sobre essas questões?” E responde com firmeza: “Não há dúvida”. (11)
Em carta publicada num boletim católico na Internet, Germain Grisez, professor emérito de Teologia Moral no Seminário Mount Saint Mary, de Maryland, e autor de inúmeros livros sobre a matéria, fez o seguinte comentário:
“Qual a razão de dizer que o ministério pastoral da Igreja não pode estar obcecado com a ‘transmissão desarticulada de uma multiplicidade de doutrinas a se impor insistentemente’? Fazer essa afirmação sugere, infelizmente, uma caricatura dos ensinamentos dos recentes pontificados. […] A frase é impactante. Ela repercute no nosso íntimo. Mas se ela foi sugerida por um espírito, não foi o Espírito Santo, porque ela confunde e engana”.(12)
A Dra. Janet E. Smith, professora de Teologia Moral no Seminário Maior do Sagrado Coração, em Detroit, no Michigan, disse que se sentiu “perturbada” com o comentário do Papa de que há uma “obsessão” em relação ao aborto, à homossexualidade e à contracepção, porque ela passou a maior parte de sua vida tratando dessas questões. Mas, diz que, em vez de “obsessão”, ela crê que foi a “dedicação” e o “empenho” que a levaram a tratar dessas matérias. E explica: “Ajudar as pessoas a entender por que o aborto, a contracepção e os atos homossexuais não estão de acordo com os planos de Deus para a felicidade humana é um meio muito efetivo de tornar as pessoas mais próximas de Jesus e da Igreja e é por isso que passei a maior parte de minha vida adulta evangelizando dessa maneira.”
Pensam do mesmo modo as legiões de lutadores pela vida, os educadores dos métodos naturais de planejamento familiar e de abstinência sexual, e aqueles que se dedicam em organizações comoCoragem, que ajudam pessoas com tendências homossexuais a viverem castamente e que se sacrificam por amor a Deus e à Igreja. A Dra. Janet diz que pode haver um ou outro exagero, mas que ela nunca se deparou com um deles na vida real.(13)
Por sua vez, a Dra. Mônica Migliorino Miller [foto], professora de Teologia na Madonna University, de Michigan, e diretora do Citizen’s for a Pro-life Society (Cidadãos por uma Sociedade Pró-Vida), expressou muito bem a frustração do movimento pró-vida com as declarações do Papa:
“Eu não estou afirmando que o Papa quis deliberadamente desaprovar, deslegitimar ou desacreditar o trabalho dos movimentos pró-vida. Mas há suficiente ambiguidade em sua declaração, feita ademais num certo tom — que, infelizmente, essas são as consequências de sua entrevista. Estou certa de não ser o único líder ativista pró-vida que tem a sensação de ter sido deixado em uma posição difícil na tarefa, já de si difícil, de lutar pelo fim do aborto legalizado — certamente não somente pela entrevista do Papa — mas, naturalmente, pelo modo como os militantes pró-vida, deliberadamente ou não, foram atirados aos lobos. “Eu me pergunto se o Papa Francisco está inteiramente consciente do tamanho da injustiça que significa o aborto. Eu não estou certa de que ele leva suficientemente em conta o quanto custa aos ativistas pró-vida salvar bebês do aborto. Faço aqui uma analogia sobre as consequências concretas das afirmações do Papa — seria como se o Papa Pio XII tivesse dito a Oskar Schindler: “pare de estar obcecado com o Holocausto dos judeus”.
Mas, como a maioria do movimento pró-vida, a Dra. Miller não desanimou:
“Mas — apesar de tudo — das declarações ambíguas e perturbadoras do Papa e da zoeira da mídia, isto representa apenas uma coisa a mais que Deus nos pede para sofrer por Ele. Portanto,NÃO nos desencorajemos! Façamos nosso trabalho salvador.Isto é o que Deus nos pede e devemos ser seus fiéis servos. Em frente, meus amigos.”(14)
O Pe. Michael P. Orsi [foto], pesquisador associado de Direito e Religião na Ave Maria School of Law, assinala que a afirmação do Papa Francisco em sua entrevista – de que ele é “um filho leal da Igreja” – “não é suficiente para mitigar o estrago que suas palavras causaram no movimento pró-vida e naqueles que estão procurando defender o casamento como sendo entre um homem e uma mulher. Suas palavras efetivamente deram uma arma para aqueles que querem reprimi-los”.
Do mesmo modo, diz ele, “as reflexões do Papa providenciaram uma cobertura para os políticos católicos que apoiam as leis abortistas liberais e a legalização do casamento homossexual. Eles podem agora argumentar que, a exemplo do Papa, estão ocupados com questões mais graves, como a pobreza e a preocupação com os pobres”.(15)
Deixamos de transcrever aqui os comentários a respeito da entrevista do Papa ao jornal “La Repubblica”porque alongariam por demais este artigo. Só chamamos a atenção para a dubiedade da afirmação do Papa Francisco ao ateu Scalfari de que “não existe um Deus católico, existe Deus”. Como ensina São Paulo, “Cristo é o chefe da Igreja, seu corpo, da qual ele é o Salvador” (Ef 5,23). Portanto, a união de Cristo, o Verbo Encarnado, com a sua Igreja é tal, que não se pode separar, pura e simplesmente, Deus de Sua Igreja.
Em tempos de extrema confusão como o nosso, no qual domina a sede de novidades, devemos nos lembrar da exortação do Apóstolo São Paulo: “permanecer firmes, mantendo as tradições que nos foram ensinadas”(2Tes 2,14).
Peçamos a Nossa Senhora a graça de termos uma constante fidelidade à Igreja, Una, Santa, Católica, Apostólica, Romana, a única verdadeira Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 755, Novembro/2013
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Notas:
1. Íntegra da entrevista do Papa Francisco à ‘Civiltà Cattolica’, in“Brotéria”, Julho de 2013, Vol. 1.
2. Il Papa a Scalfari: così cambierò la Chiesa — “Giovani senza lavoro, uno dei mali del mondo”, in “La Repubblica”, 01 ottobre 2013.
3. Cf. Denzinger, Enchiridion Symbolorum, 1839. Ver Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, Qual a autoridade doutrinária dos documentos pontifícios e conciliares?, in Catolicismo, nº 202, outubro de 1967.
4. A definition of infallibility in light of the Pope Francis interviews, in “Lifesitenews,com”; ver também Plinio Corrêa de Oliveira, A política de distensão do Vaticano com os governos comunistas — Para a TFP: omitir-se? ou resistir? In “Folha de S. Paulo”, 10 de abril de 1974, http://www.pliniocorreadeoliveira.info/MAN%20-%201974-04-08_Resistencia.htm#.Uk9IsFPimos
5. https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10151858307184321&set=a.146691269320.105115.80562389320&type=1&theater
6. “The New York Times”, September 21, 2013.
7. Emma Margolin, Progressive Catholics hail Pope Francis’ position on social issues, in MSNBC — NewNation with Tamron Hall, 09/19/2013.
8. Cf. 15 Years in the Lives of a Catholic Lesbian Couple, in “The Huffington Post” — Gay Voices, 09/19/2013.
9. Pope’s Comments Signal New Direction for Catholic Church — LGBT Catholics Welcome Pastoral Tone and Substance, in DignityUSA, September 19, 2013.
10. POPE FRANCIS AND ‘THE INTERVIEW’ — Weekly Column by Archbishop Charles J. Chaput, O.F.M. Cap., September 25, 2013.
11. Catholics diverge on pope’s message, By MARTIN ESPINOZA, “The Press Democrat”, September 20, 2013.
12. Letter #90: Editorial on Pope’s Interview, September 29.
13. Janet E. Smith, Are We Obsessed? In “First Things”, September 25, 2013.
14. Unpacking the Pope’s PR Debacle — What Happened and What It Means for Pro-Lifers A Critique of the Pope’s America Interview, By Monica Migliorino Miller, in “Citizens for a Pro-Life Society”.
15. The pope’s blurred red lines, By Michael P. Orsi, in “The Washington Times”, September 26, 2013.
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