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Plinio Corrêa de Oliveira
IPCO em Ação

Para baixo, marche!


Quando o Presidente Fernando Henrique apareceu em público usando uma meia furada, o Brasil inteiro viu isso na televisão, nos jornais e em outros veículos de imbecilização coletiva. Mas prometo-lhe uma medalha se me disser, sem recorrer a algum arquivo, o que ele declarou naquela ocasião. Deve ter sido assunto importante, mas confesso que eu também não sei.

Será que a meia furada era mais importante que a declaração? Talvez fosse algo vazio, enganoso ou demagógico, coisa não rara em pronunciamentos oficiais; mas não consigo imaginar a meia furada como mais importante, qualquer que fosse o assunto. No entanto, o prato do dia para os veículos de imbecilização coletiva foi a meia furada, relegando a inevitável esquecimento o que disse o presidente.

Tornou-se amplamente aceito o qualificativo baixaria para quase tudo que a TV apresenta, e parte considerável dos próprios noticiários já pode ser assim qualificada. Em qualquer região do mundo onde alguém decida consertar com uma torta a cara de um Genoíno, esse será o assunto do dia na mídia, e não o que ele estava dizendo. Neste caso concreto, a vantagem é inegável, mas…

Durante as atividades de um Fórum Social Mundial, a equipe de um canal nacional de TV dedicava-se a filmar palhaçadas que se exibiam diante de um dos locais do evento. Um dos cinegrafistas foi interpelado:

— Lá dentro eles estão discutindo assuntos importantes. Acho que vocês devem ir para lá e não perder tempo com isso.

Ele respondeu, um tanto constrangido:

— Acontece que nós temos um roteiro para seguir.

Admito ser necessário alguém supostamente esclarecido elaborar um roteiro para os debiloides que vão a campo colher imagens. E fiquei comentando com os meus botões: Se o roteiro ignora o principal e dá destaque a palhaçadas, bem baixa será a qualidade da reportagem. E se a orientação que eles recebem é essa, qual o objetivo? Quem é o orientador, o “roteirista”?

Em outra ocasião, participei de um congresso e acompanhei a filmagem que ali se fazia para a TV. Na entrada do auditório onde os oradores se apresentavam, uma debiloide dessas devia ser filmada para transmitir aos telespectadores sua vasta erudição sobre o evento. Era um texto evidentemente decorado, mas ela tropeçou várias vezes no discursinho, e a filmagem teve de ser recomeçada outras tantas vezes. O cinegrafista já estava acostumado, e reiniciou sempre o trabalho sem se queixar. Depois da quarta ou quinta falha, uma pergunta da debiloide revelou o importante assunto que lhe desviava a atenção:

— Meu cabelo está bom?

Se as cogitações de gente com essa função têm tal magnitude, a inevitável consequência é a baixa profundidade habitual dos noticiários. É inútil esperar outra coisa desses “cicerones de eventos”, que enchem a tela com sua cara vazia, cópia xerográfica do escasso conteúdo interno. Parecem mesmo ter a função explícita de modelos para a sociedade, e contribuem a seu modo para a decadência coletiva.

O mesmo ocorre em todos os países, em maior ou menor grau. Em Washington, por ocasião da Marcha Pró-Vida, mais de cem mil manifestantes contrários ao aborto eram ignorados, enquanto a mídia abria espaço para o minguado protesto de vinte abortistas. É claro que o “roteirista” já sabia onde encontrá-los…

A mídia sensacionalista se ocupa em divulgar o acessório em vez do essencial, o estapafúrdio em vez do habitual, o degenerado em vez do normal, o criminoso em vez do honesto, o secundário em vez do importante. Talvez haja na confraria midiática quem julgue estar prestando serviço útil à sociedade. Mas eu fico sem entender como alguém possa considerar útil a difusão de crimes, desonestidades, excentricidades, ações desequilibradas – todas essas coisas que quanto mais se mexe, mais fedem.

Produtores e artistas desse naipe realizam na TV a função de propagadores do submundo que mostram (e provavelmente frequentam). Parece-me muito lógico concluir que o resultado desejado é exatamente esse. Pode não ser assim para todos, mas há gente em altos escalões que decide e quer exatamente isso.

E aí temos a sociedade decadente em passo cadenciado para o fundo do poço. Com naturalidade, chegou-se à situação deprimente em que o criminoso e marginal tornaram-se o normal, o fútil ou inútil tornou-se cobiçado. Uma maioria de tamanho indefinível aí caminha, de mãos dadas e em velocidade máxima, obediente à palavra de ordem. Qual a ordem ditada pela voz de comando? Para baixo, marche!

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Jacinto Flecha

Jacinto Flecha

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Jacinto Flecha, médico, cronista e colaborador da Agência Boa Imprensa.

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