Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
9 min — há 3 anos — Atualizado em: 3/15/2022, 5:59:23 PM
No momento em que este artigo está sendo redigido (5 de março de 2022), as tropas de Putin estão nos subúrbios da capital da Ucrânia, Kiev, depois de invadir o país por terra, mar e ar.
Aqui vamos considerar apenas um aspecto do conflito: esta é uma guerra justa ou não? Em outras palavras, o ex-coronel da KGB Vladimir Putin tinha o direito de invadir a Ucrânia?
Para analisar a questão adequadamente, devemos relembrar alguns princípios de direito natural e da doutrina católica sobre a guerra justa.
Primeiro, vejamos as razões inválidas para iniciar uma guerra. O célebre Doutor de Salamanca Padre Francisco de Vitoria, O.P. (1492-1546) é considerado “o fundador do direito internacional”. Ele resume as razões que são sempre injustificáveis para iniciar uma guerra:
Além de haver razões válidas para iniciar uma guerra, certas condições devem ser cumpridas para que uma guerra seja justa ou legítima. São Tomás de Aquino as resume assim:
Os teólogos também salientam o princípio da proporcionalidade. Além da justa causa, da declaração pela autoridade legítima e da reta intenção, deve haver proporção entre o bem a ser recuperado ou preservado, a situação injusta a ser remediada ou prevenida, e os males que necessariamente surgem no rastro da guerra, principalmente o número de mortes.
Além disso, todos os meios pacíficos devem ser esgotados antes de recorrer à guerra.
Esses teólogos observam que a necessidade de justificação se aplica apenas à guerra ofensiva. A legitimidade moral da autodefesa diante de um ataque é evidente. [3]
As nações não podem ficar de braços cruzados quando vêem uma nação mais fraca atacada injustamente por outra mais forte. Elas têm obrigação de ajudar a nação atacada contra o agressor. Com efeito, devido à fraternidade que deve existir entre os povos, as nações que podem socorrer um país injustamente atacado devem fazê-lo por dever de solidariedade.
Em sua famosa Radiommensagem de Natal de 1948, depois de falar sobre o direito do país injustamente atacado de se defender, o Papa Pio XII afirma: “Para esta defesa deve haver a solidariedade das nações, que têm o dever de não deixar abandonado o povo agredido. A segurança de que tal dever não deixará de ser cumprido, servirá para desencorajar o agressor e até para evitar a guerra, ou ao menos, na pior das hipóteses, para abreviar os sofrimentos”.[4]
As razões alegadas pelo autocrata russo para invadir a Ucrânia não passam despercebidas. Ele não respeitou nenhum princípio da lei natural que justifique a guerra. Para maior clareza, vamos examiná-los.
O principal argumento de Putin para invadir a Ucrânia é o desejo daquele país de se tornar membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Ele afirma que isso é uma ameaça para a Rússia. Este argumento é falacioso porque o Tratado do Atlântico Norte é um tratado de defesa mútua. Foi criado em 1949 por países europeus, mais os Estados Unidos e o Canadá, justamente para proteger a Europa do expansionismo soviético. Seu artigo 5º, frequentemente citado, afirma: “As Partes concordam que um ataque armado contra uma ou mais delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque contra todas elas”. [5]
A adesão à OTAN só poderia apresentar problemas para a Rússia se pretendesse atacar a Ucrânia, como aconteceu agora.
Além desse argumento primário, Putin usa outros que são completamente irracionais, como Paul Kirby comentou na BBC News: “Muitas das justificativas [do presidente Putin] para isso eram falsas ou irracionais. Ele alegou que seu objetivo era proteger as pessoas [os ucranianos] submetidas a importunação [bullying] e genocídio e visar a ‘desmilitarização e desnazificação’ da Ucrânia. Não houve genocídio na Ucrânia: ela é uma democracia vibrante, liderada por um presidente que é judeu”.[6]
Kirby acrescenta: “O presidente Putin tem acusado frequentemente a Ucrânia de ter sido tomada por extremistas, desde que seu presidente pró-Rússia, Viktor Yanukovych, foi deposto em 2014 após meses de protestos contra seu governo”.[7]
Alguns sites de inspiração católica e conservadora tentam justificar a invasão da Ucrânia, alegando que Putin é um “defensor da família”, enquanto os governantes ocidentais, que se opõem ao ataque, favorecem a imoralidade e promulgam leis imorais.
No entanto, Putin, que passou toda a sua carreira na temível KGB, não esconde sua ideologia comunista. Falando a alguns seguidores em 2016, ele disse que ainda tem sua carteirinha de membro do Partido Comunista, acrescentando: “Ainda gosto muito das ideias comunistas e socialistas”. Para ele, tais ideias são “como a Bíblia”.[8]
É preciso lembrar que, em Fátima, Nossa Senhora advertiu contra os erros da Rússia, ou seja, o comunismo. No entanto, mesmo se fosse verdade que o ex-coronel da KGB é um defensor declarado dos valores familiares, isso não lhe daria o direito de invadir a Ucrânia nem de transformar esse ataque não provocado em uma guerra justa. Como dizem os moralistas, “um mal não se torna certo ou lícito simplesmente porque um mal maior poderia ser escolhido”.[9]
A admiração que esses círculos têm pela Rússia é injustificada. A Rússia é tão imoral quanto o Ocidente, se não mais. Tem a maior taxa de aborto do mundo.[10] A prostituição é desenfreada, com alguns relatos da mídia afirmando que ali existem mais de 3.000.000 de prostitutas (em uma população de 144 milhões).[11]
Muitos alegam a existência de uma conspiração ocidental para formar uma sociedade globalizada de nações, o “Grande Reset”, e que essa espécie de República Universal seria pior do que a invasão da Ucrânia.
Aqueles que defendem esse argumento não percebem que, no fundo, esses globalistas também têm uma mentalidade socialista e que uma República Universal é essencialmente comunista. O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira já denunciava isso em 1959 em sua obra-mestra, Revolução e Contra-Revolução.[12]
Não há contradição entre o objetivo de dominação mundial, nacionalista pós-comunista, cosmista e pan-eslavo de Putin e uma República Universal globalista. Em última análise, ambos querem a mesma coisa: o fim da civilização cristã ocidental e dos países independentes, que ainda possuem alguns resquícios da lei natural e dos valores cristãos.
A conclusão ineludível é que a invasão da Rússia, analisada à luz da lei natural, da moral católica e dos fatos, não pode ser justificada moralmente. Portanto, todos os católicos, e todas as pessoas com o menor senso de justiça, devem repudiá-la totalmente.
A guerra na Ucrânia pode ser o início de um conflito mais amplo, uma guerra mundial. Em Fátima, Nossa Senhora avisou que, a menos que se convertesse, a humanidade seria punida. No entanto, vemos um crescimento surpreendente do pecado, chegando até ao satanismo público.
Qualquer que seja o desfecho da guerra de agressão russa na Ucrânia, é insensato esperar que a salvação do mundo moderno pudesse vir de autocratas ou líderes políticos. A solução para a terrível crise moral em que se encontra a humanidade só pode vir de uma autêntica conversão dos costumes e do retorno a uma fé e confiança ardentes em Deus.
A promessa de Nossa Senhora em Fátima deve encorajar-nos: “Finalmente, o meu Imaculado Coração triunfará”.
Notas
[1] Anthony Pagden e Jeremy Lawrance, eds. Vitoria: Political Writings (Cambridge, U.K.: Cambridge University Press, 1991), 302–304.
[2] São Tomás de Aquino, Summa Theologica, II–II, q. 40.
[3] A. Lanza-P. Palazzini, Pincipios de Teologia Moral (Madrid: Ediciones Rialp, S.A., 1958), 2:288–94.
[4] Pio XII, Radiomensagem de Natal de 1948. A Segurança e o Aperfeiçoamento da Paz, nº 32. 1939-1958,_SS_Pius_XII,_Radiomensagens_de_Natal,_PT. (Ênfase nossa).
[5] “The North Atlantic Treaty,” NATO.int, accessed Feb. 26, 2022, https://www.nato.int/cps/en/natolive/official_texts_17120.htm
[6] Paul Kirby, “Why Is Russia Invading Ukraine and What Does Putin Want?” BBC, Mar. 2, 2022, https://www.bbc.com/news/world-europe-56720589.
[7] Id. Ibidem.
[8] “Putin Still Has His Communist Party Card, Likes Socialist Ideals,” AFP, Jan. 25, 2016, https://news.yahoo.com/putin-still-communist-party-card-likes-socialist-ideals-183734163.html
[9] Ludovico Bender, O.P., s.v. “Lesser Evil” [“Mal menor”], in Francesco Roberti e Pietro Palazzini, Dictionary of Moral Theology, trans. Henry J. Yannone (Westminster, Md.: Newman Press, 1962), 705.
[10] Ver “Abortion Rate,” UNData A World of Information, accessed Feb. 28, 2022, http://data.un.org/Data.aspx?d=GenderStat&f=inID%3A12
[11] Ver Damien Sharkov, “Prostitution Surges in Russia in Wake of Financial Crisis: Report” Newsweek, Mar. 17, 2016.
[12] Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução, Atpress, São Paulo, Brasil, 1998, Cap. 11, n. 3.
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