Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
13 min — há 7 anos
Autor: Sergio Brotero Lefevre
Catolicismo, N° 92, agosto/1958
O triunfo da revolução bolchevista na Rússia, em 1917, marcou o início de um novo período da história contemporânea. Da história não só daquele país, mas de toda a humanidade, e especialmente da Igreja Católica. Vitoriosos, os chefes soviéticos adotaram, desde logo, uma posição nitidamente contraria a toda e qualquer religião, procurando difundir o ateísmo e o materialismo por todos os meios a seu alcance, e principalmente pela força da ditadura que acabavam de impor ao povo russo. A Igreja foi sendo obrigada a arrostar, nas mais diversas frentes, um novo adversário, que se mostrava ao mesmo tempo brutal e cheio de artimanhas. Nunca, em seus dois mil anos de existência, teve o Catolicismo que lutar com um inimigo tão ardiloso e dotado de tal poder.
Veremos, neste artigo, o que foi e o que está sendo a guerra do comunismo contra a Igreja na China, talvez a mais diabolicamente inteligente que sofre a Esposa de Cristo no atual momento.
Em sua obra, tantas vezes elogiada, “O Comunismo e a Igreja Católica — O Livro Vermelho da Perseguição” [capa ao lado], Albert Gaiter escreve que, entre todas as perseguições a que têm sido submetidos os católicos nos países de obediência marxista, pode-se citar a chinesa “como exemplo”, por seus processos metódicos, por sua técnica refinada e pelos resultados obtidos. O despertar do sentimento nacionalista exacerbado ofereceu aos comunistas, ali, meios de ação com que não contavam seus correligionários de outras regiões. O nacionalismo chinês, em suas relações com a religião, foi estudado pelo “Osservatore Romano” em 30 de janeiro de 1955 e, mais recentemente, em 14 de março deste ano, em artigos longos e bem documentados.
Foi em 1920 que o marxismo-leninismo se introduziu na China, por meio de agentes pagos pela Rússia. Em trinta anos conseguiu ele impor sua ditadura a meio bilhão de almas, aproveitando-se da situação caótica da política interna do país e das perturbações internacionais que desde antes da última guerra mundial têm ocorrido no Extremo Oriente.
Fundado em Xangai, em 1921, sob a chefia de Mao Tsé-Tung, o Partido Comunista Chinês recebeu um auxilio valioso da missão de técnicos e militares russos que se encontrava no país havia um ano. Desde logo, o espantalho da guerra sino-japonesa foi um instrumento precioso nas mãos dos bolchevistas indígenas, ansiosos por dominar inteiramente sua pátria. Sob pretexto de combater o inimigo externo, fundaram um Estado independente, o Yenan, ao norte da China. Divulgando o “slogan”: “Um chinês não combate outro chinês, quando japoneses estão dentro de suas muralhas”, conseguiram que o chefe do governo legal, Chang Kai-Chek [foto ao lado], fosse preso pelos seus próprios generais, sob acusação de entendimentos com o inimigo. Como preço de seu resgate, obtiveram plena liberdade de ação para o Partido, e o compromisso de Chang de responder pelas armas ao primeiro ataque japonês que houvesse.
Os japoneses atacaram em 1937, obrigando, por força desse acordo, o governo nacionalista a entrar em uma guerra longa e dura, para a qual a China não estava preparada e que a debilitou material e moralmente. Os comunistas, ao contrario, graças a um plano bem concebido, pelo qual suas forças nunca enfrentavam abertamente o inimigo, conseguiram consolidar seu regime nas regiões do norte. Suas guerrilhas lhes permitiram, sem muito esforço, manter em reserva tropas descansadas e sovietizar, sem maiores perigos, o território por eles ocupado. Por outro lado, durante a segunda guerra mundial, os aliados fizeram pressão sobre Chang Kai-Chek para que aceitasse a colaboração dos comunistas no alto comando, o que conferiu ao movimento vermelho um caráter legal em toda a China.
O fim das hostilidades em 1945, com a ocupação russa da Manchúria e da Coréia do Norte, trouxe novo e poderoso auxilio para os planos revolucionários de Mao Tsé-Tung: seus dois milhões de soldados beneficiaram-se com o armamento japonês e com intensa ajuda russa.
O exército nacionalista, esgotado e desfalcado, entrou então em luta com os comunistas pela posse do território chinês. Em outubro de 1949, depois de quatro anos de guerra civil, os bolchevistas, senhores de toda a China continental, proclamaram em Pequim a República Popular Chinesa.
Os católicos eram uma minoria no país — quatro milhões, no total de 463.500.000 habitantes — mas minoria ativa e organizada, com 20 Arquidioceses, 85 Dioceses e 39 Prefeituras Apostólicas. Os Prelados chineses eram 27 e, dos 5.637 Padres que ali labutavam, 2.557 eram indígenas. Sua Santidade o Papa Pio XII, reconhecendo a importância dessa Cristandade, conferiu o chapéu cardinalício ao Arcebispo de Pequim, em 1946.
Antes de 1945 a atitude dos comunistas chineses para com as Missões católicas já era de perseguição aberta, se bem que localizada e muito desordenada. Nos territórios submetidos ao jugo bolchevista houve igrejas incendiadas, ocuparam-se edifícios de escolas e de instituições de caridade católicas, missionários foram perseguidos e alguns assassinados. Muitos fiéis foram presos, sendo exigidas pesadas somas para seu resgate. Em 1934, no II Congresso Nacional dos Soviets da China, Mao Tsé-Tung declarava: “Nos territórios soviéticos chineses, os Padres católicos e os pastores protestantes foram expulsos pela massa popular. As propriedades confiscadas aos missionários imperialistas foram devolvidas ao seu legitimo proprietário: o povo. As escolas missionárias foram transformadas em escolas soviéticas”.
Os dirigentes do Partido mostravam-se mais interessados em fatos do que em manifestações espetaculares. Metodicamente, sabendo o que queriam, e quase em silêncio, realizaram uma grande obra de destruição.
A luta contra a Fé obedeceu, regra geral, às seguintes fases, estudadas de antemão e executadas em perfeita ordem:
1º) “liberdade e tolerância” religiosas, de acordo com o artigo 88 da Constituição da República Popular;
2º) “luta contra as superstições”: campanha violenta, oral e escrita, contra a religião, apresentada como um dos maiores males da sociedade humana; exploração, entre outros, dos velhos temas da completa liberdade de consciência e do direito de todos professarem qualquer religião;
3º) “campanha de reeducação”, cujo fim era criar, progressivamente, um “novo homem”;
4º) “oposição ativa”, destinada a paralisar totalmente o apostolado dos missionários;
5º) organização da “ação popular” ou tribunais populares: em cada cidade o Bispo, os Sacerdotes, as Religiosas e os leigos de destaque são presos e julgados sem direito de defesa.
Conquistado o poder, os comunistas proclamaram a liberdade geral e cessaram momentaneamente a perseguição aberta e declarada. Mas, pela lei sobre atividades contra-revolucionárias, publicada em fins de 1950, o governo teve armas “legais” para uma luta mais intensa contra a Igreja e os católicos. Em nome da defesa dos princípios e das instituições marxistas, o Clero foi isolado do povo e posto sob vigilância, sendo-lhe recusada a liberdade de locomoção pelo país. Começou-se também, em alguns lugares, a proibir as cerimônias religiosas, como perda de tempo prejudicial à produção nacional. A lei sobre atividades contra-revolucionárias serviu ainda de pretexto para o fechamento de todos os jornais e revistas católicos.
Depois de uma violenta campanha contra o Vaticano, o governo, atendendo aos “desejos ardentes” e “espontâneos” da cristandade chinesa, lançou o “Movimento da Tríplice Independência” ou da “Tríplice Autonomia”. No dia 7 de janeiro de 1951, o primeiro-ministro Chu En-Lai [foto ao lado] convidou para uma reunião em Pequim quarenta líderes católicos; nessa ocasião foram trocados pontos de vista sobre a reforma do Catolicismo.
O Movimento exigia, para a Igreja chinesa, autonomia de direção, autonomia econômica e autonomia de expansão. Em uma palavra, criava um cisma, apesar de algumas declarações ilusórias que garantiam a manutenção das relações com o Papa, na qualidade de Chefe espiritual.
Autonomia de governo significa, para os comunistas de Chu En-Lai, que a Igreja nacional, administrada por chineses, deve libertar-se das tradições ocidentais e criar uma nova hierarquia, uma nova legislação e uma nova liturgia.
Autonomia econômica: a Igreja na China não deve receber nenhum subsidio do exterior, dado que o governo se encarrega de suprir suas necessidades.
Autonomia de expansão: os próprios chineses é que devem propagar sua religião. Não deve haver mais missionários estrangeiros; os temas das pregações tem que ser adaptados à mentalidade nacional e às condições da “nova China”; é necessário estabelecer uma nova teologia, conforme com a ideologia professada pelo governo. “Os cristãos chineses — proclamava a ‘Agência Nova China” em 14 de janeiro de 1951 — devem descobrir os tesouros do Evangelho por si e para si. Devem libertar-se da teologia ocidental e criar um novo sistema teológico, adaptado à nova mentalidade. É o único meio de pôr em pratica o espírito (revolucionário) do Evangelho de Cristo na nossa nova China”. O jornal oficial do Partido escrevia, em 8 de janeiro do mesmo ano: “Nosso fim é reconduzir a Igreja ao seu estado primitivo e, do ponto de vista político, adaptá-la aos desejos do povo”.
Foram fundadas nessa ocasião, para pôr em pratica tais resoluções, as “Comissões de Reforma” diocesanas e paroquiais, cuja missão era acusar e fazer condenar os Bispos e Padres que não pactuassem, administrar a “nova Igreja”, e executar a doutrinação do Clero e fiéis por meio de estudos do marxismo.
Esta campanha a favor de uma Igreja nacional prosseguiu com a expulsão do Internúncio, Mons. Antonio Riberi, em setembro de 1951, depois que este advertiu os Bispos contra o caráter cismático do movimento.
O Santo Padre Pio XII, em outubro de 1954, reafirmou a condenação dessa “reforma”, na sua Encíclica “Ad Sinarum Gentem”: “Não podem ser considerados nem honrados como católicos os que professam ou ensinam verdades diferentes daquelas por Nós ensinadas, brevemente, acima. E o caso, por exemplo, dos que aderiram aos princípios nefandos chamados das Três Autonomias, ou a outros do mesmo gênero… “
No ano passado, reuniu-se duas vezes a Conferencia Nacional Católica da China. Na segunda dessas reuniões, realizada de junho a julho, foi aprovada uma resolução, difundida pela ‘Agencia Nova China’, que declara notadamente: “Os católicos chineses obedecerão ao Vaticano no que se refere aos dogmas e à moral, porque isto não poderia constituir um atentado aos interesses e à independência do país.Mas opor-se-ão a todo plano urdido pela Santa Sé que, sob o manto da religião, atente contra nossa soberania ou nosso movimento patriótico anti-imperialista”. — e acrescenta que, após a conferência, foram fundadas associações patrióticas dos católicos chineses. Dias depois, a agencia noticiosa “Fides” divulgou um estudo sobre essas sociedades. Ali se salienta que, conquanto não tenham elas sido explicitamente condenadas pela Igreja, pode-se afirmar, à luz da Encíclica “Ad Sinarum Gentem”, que o foram implicitamente, visto estarem sob controle do Partido Comunista e serem constituídas segundo os seus princípios. Estas associações, prossegue a agencia da Sagrada Congregação “de Propaganda Fide”, são as continuadoras do “Movimento das Três Autonomias”.
Mais recentemente, a mesma agência difundiu uma ordem secreta dirigida pelo Partido Comunista Chinês aos seus membros no estrangeiro. Os trechos que selecionamos são tão significativos que dispensam comentário. Convém, apenas, ressaltar que, depois de procurar confundir os espíritos dando a entender que as seitas protestantes são tão perigosas para o bolchevismo quanto a Igreja, o documento, em seu último item, justifica o ensinamento de Leão XIII quando, na Encíclica “Parvenu à la vingt-cinquième année”, o Pontífice filia o comunismo ao protestantismo, através da Revolução Francesa.
Diz a ordem secreta, datada de 17 de fevereiro de 1957: “O Catolicismo e o protestantismo são duas organizações a serviço da espionagem e do imperialismo capitalista… Estabelecidos em todas as cidades do mundo, semeiam por toda parte o veneno de suas doutrinas para combater o socialismo comunista.
“Eis porque, seguindo as diretrizes dos chefes do Partido, nossos camaradas devem encontrar meios de penetrar no próprio coração de cada igreja, pôr-se ao serviço da nova organização de polícia secreta, desenvolver uma grande ação no seio de todas as obras eclesiásticas, desencadear um ataque de grande envergadura, empenhar-se a fundo, invocando até o auxílio de Deus, e, para conseguir formar uma frente única, servir-se do encanto e do poder de sedução do sexo feminino. Em consequência, para atingir este fim, para dividir as igrejas internamente e opor umas às outras as diversas organizações religiosas, o órgão do Partido baixou as nove disposições seguintes:
“1º) Os camaradas devem introduzir-se nas escolas estabelecidas por estas igrejas… ; devem espionar os reacionários… ; devem misturar-se aos estudantes, adaptar-se aos seus modos de sentir,… e imiscuir-se metodicamente em todos os setores da ação eclesiástica.
“2º) Cada camarada deve procurar tornar-se, pelo Batismo, membro da Igreja… Todos desenvolverão uma atividade de grande envergadura, servindo-se de belas frases para emocionar e atrair os fiéis. Irão mais longe ainda, e esforçar-se-ão por dividir profundamente as diversas categorias do laicato, inclusive fazendo apelo ao amor de Deus e defendendo a causa da paz…
“3º) Nossos camaradas deverão assistir a todos os serviços religiosos, e, afavelmente, cortesmente, servindo-se com inteligência dos meios mais diversos, unir-se-ão ao Clero e espionarão a sua atividade.
“4º) As escolas fundadas e dirigidas pelas igrejas são um campo ideal para a nossa penetração. Aparentando a maior benevolência, os ativistas de nossa organização devem aplicar esta dupla lei: Cativar o inimigo para suprimir o inimigo. Devem misturar-se alegremente aos diretores, professores e estudantes para dominá-los, aplicando o princípio: Dividir é governar. Além disso, devem procurar contatos com os chefes das famílias dos alunos, para reforçar o trabalho de base da revolução…
“5º) Devem tomar iniciativas em todas as atividades, infiltrar todas as instituições da Igreja, ganhar a simpatia dos fiéis, e desse modo tornar possível introduzir-se na própria direção da Igreja.
“6º) Baseando-se nesse princípio de ferro: Esmagar o inimigo servindo-se dele próprio, cumpre procurar persuadir um ou outro membro eminente da Igreja de vir à China, e facilitar-lhe as autorizações e documentos necessários. Tal ação falsa e secreta nos ajudará a atingir nosso fim, pois esse homem eminente nos revelará a verdadeira fisionomia e a verdadeira situação da Igreja.
“7º) Os camaradas ativistas devem… descobrir os pontos fracos da organização eclesiástica, explorar as divisões internas…
“8º) Todo camarada que ocupa um posto de direção deve ter compreendido a fundo esta verdade: a Igreja Católica, escravizada ao imperialismo, precisa ser abatida e destruída completamente. Quanto ao protestantismo, que comete o erro de seguir uma política de coexistência, é necessário impedir que faça novas conquistas, mas podemos deixá-lo morrer de sua morte natural”.
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