Cruzada de orações pela Igreja no próximo Sinodo
12 min — há 13 anos — Atualizado em: 9/1/2017, 9:30:13 PM
É natural que em nossos votos desejemos o melhor e alimentemos esperanças, para nós e para os outros, no ano que entra.
O dito popular “Ano novo, vida nova” é expressão desta realidade esperançosa. Formulamos – ainda que, por vezes, somente no interior de nossos espíritos – propósitos generosos.
Paz, paz, paz
Cumulados pelos inúmeros desencontros, tensões, crises e conflitos que assombram o mundo, há um desejo que se generaliza entre nós: a Paz! Almeja-se a Paz, pede-se a Paz! Fala-se em “construir a Paz”, em sermos “agentes da paz”, fala-se de “solidariedade” como fator da Paz, menciona-se o respeito aos “direitos do homem” como fonte da Paz.
Mas tantas são as interpretações sobre a Paz, tantos os sentidos que se procura dar ao termo que é o caso de nos perguntarmos de que Paz falamos realmente.
Será a Paz apenas o fim das crises, o cessar de qualquer conflito, o fim da efusão de sangue? Será a Paz somente a calmaria e a tranquilidade de nosso existir pessoal ou da sociedade na qual vivemos?
Paz e direitos de Deus
Os costumes modernos vão sofrendo uma inequívoca laicização, uma descristianização acentuada. Em inúmeras sociedades leis de caráter radicalmente anti-cristão vão sendo impostas. As leis de Deus são violadas desinibidamente e tal violação vai sendo consagrada como “direito humano”. Em muitos países, cristãos vão sendo perseguidos, em nome de ideologias ou de crenças religiosas.
Como podem aqueles que se dizem cristãos almejar sinceramente à Paz, se permanecem indiferentes a estas realidades e à violação dos direitos de Deus pela consolidação da injustiça? Como podem falar de “partilha” e “solidariedade” os cristãos se, por exemplo, nada fazem de concreto pelos irmãos de fé que sofrem perseguições, ou se eximem de trabalhar activamente para fazer cessar as iniquidades consagradas em legislações que promovem a morte de inocentes?
Paz com justiça
Reflectir sobre tais questões, no alvorecer de um Novo Ano, parece-me enriquecedor. Pode ajudar-nos realmente a cumprir o ditado “Ano novo, vida nova”, pois saberemos realmente de que Paz falamos e de que modo realmente alcançá-la.
Aos que lêem este blog, junto com meus votos de um bom Ano Novo, convido-os a conhecer uma compilação de dois artigos do grande pensador e homem de acção católico, Plinio Corrêa de Oliveira. Publicados em 29 de dezembro de 1940 e 5 de janeiro de 1941, no jornal Legionário, intitulados respectivamente Justitia e Opus justitiae pax. São atualíssimas as considerações neles estampadas sobre o importante tema da “paz com justiça”:
“Para que se compreenda em que sentido “a paz é fruto da justiça”, é necessário, evidentemente, que se tenha um conceito certo sobre o que seja “paz” e o que seja “justiça. A paz, segundo São Tomás de Aquino, é a tranqüilidade da ordem. A definição do Santo Doutor deixa entrever que há duas espécies de tranqüilidade: a que provém da ordem e a que provém da desordem. Tome-se um adolescente saudável que dorme. Todo o seu físico está em uma ordem perfeita. Todos os órgãos funcionam admiravelmente bem. Nenhuma dor, nenhum mal-estar lhe perturba o repouso. A saúde, que é a ordem do corpo, gera nele uma tranqüilidade física que se traduz freqüentemente pela placidez do sono. Fisicamente, o sono é, para este adolescente, uma situação de paz, pois que é um momento de tranqüilidade gerada pela sua ordem orgânica.
O mesmo conceito se pode aplicar a um povo. Suponha-se que nele tudo se encontre em ordem: as inteligências, pela posse segura e firme da Verdade que é a Religião Católica; as vontades, pela sua vigorosa adesão à virtude que a Igreja ensina e ajuda a praticar; as sensibilidades, pelo completo domínio a que a sujeitaram a inteligência e a vontade; os corpos, pela existência de um alto padrão coletivo de saúde; a vida econômica, por um perfeito aproveitamento dos abundantes recursos naturais do lugar. Evidentemente, uma grande e benfazeja tranqüilidade reinará sobre toda a sociedade, como fecundo e feliz transbordamento da tranqüilidade interior de cada alma. Esta tranqüilidade completa, decorrente da ordem intelectual, moral e econômica existente no país, é o que se pode chamar paz: será a paz interior. A paz externa se somará a esta, se também as relações do país com outros povos estiverem em ordem. Assim, a paz é realmente a tranqüilidade da ordem.
Retomemos o exemplo do adolescente. Em dado momento, durante seu sono plácido, alguma perturbação orgânica ocorre: será, por exemplo, uma nevralgia violentíssima. Imediatamente, com a cessação da ordem orgânica, desaparecerá a paz: o sono cessa, e o paciente começa a dar mostras agudas da sua dor. É a desordem, gerando a intranqüilidade. Imagine-se, entretanto, que a dor aumente tanto que chegue a causar um desmaio do paciente: a desordem orgânica terá chegado a seu auge, e a perda dos sentidos e a completa tranqüilidade do desmaio não serão senão a consumação da desordem física. Essa desordem, exatamente por se ter tornado muito aguda e ter com isto suprimido todos os meios de resistência, causará, com a aparente cessação da reação orgânica, uma tranqüilidade profunda. Esta tranqüilidade será o reinado da desordem, será o cúmulo da desordem, será a desordem erigida em soberania absoluta do corpo: ela não será senão uma caricatura da tranqüilidade da ordem.Em suma, o sono do adolescente, tranqüilo e saudável, e o desmaio profundo e perigoso que imaginamos em seguida, estão nos extremos opostos. Nos exemplos que figuramos, o maior bem orgânico do corpo terá sido a tranqüilidade da ordem; a intranqüilidade decorrente da desordem será um mal; mas o mal supremo será sem dúvida a tranqüilidade da desordem, ou seja o desmaio, para não dizer a morte.
Para resumir: a tranqüilidade da ordem é um grande bem, e só ela merece o nome de paz; a luta gerada pela desordem é um mal incontestável, mas o maior dos males será, certamente, a tranqüilidade da desordem, a tranqüilidade das consciências embrutecidas no vício, dos corpos desmaiados pela moléstia, dos cemitérios onde a morte campeia como soberana, e onde não penetra nada que seja vivo.
Estes conceitos merecem ser transpostos para o plano internacional. Só merece o nome de verdadeira paz a tranqüilidade decorrente da ordem nas relações entre as nações. E como a ordem supõe obediência a Deus, só haverá ordem internacional quando houver obediência à Lei de Deus nas relações entre os povos.
Evidentemente, violações da Lei de Deus sempre as houve e sempre as haverá, com freqüência maior ou menor, na História da humanidade. Mas que se transforme a violação em direito, a desordem em hierarquia legítima e permanente, e se arvore como princípio básico e fundamental aquilo que é a negação radical e absoluta de toda a Lei de Deus, há nisto uma desordem monstruosa e profunda, com a tendência de se tornar definitiva, que deve apavorar todo o espírito em que ainda bruxuleiam alguns lampejos, já não direi do senso católico, mas de simples e reta razão natural. Com efeito, o risco a que aludimos não consiste em uma simples injustiça. É na glorificação da injustiça como tal. É na consolidação da injustiça. É na entronização da injustiça como regra fundamental de ação e norma basilar das relações entre os povos.
A paz internacional será uma paz autêntica se ela for a conseqüência da aplicação dos princípios da Lei de Deus à vida internacional. Realmente, a Lei cumprida gera ordem, e a ordem gera a tranqüilidade, e esta tranqüilidade da ordem será a paz.
Será uma desgraça, já é agora uma desgraça catastrófica, que a tranqüilidade da ordem seja violada, e que esta violação traga lutas cruentas como aquelas que atualmente assistimos. A humanidade contemporânea pode ser comparada a um homem doente que se contorce tragicamente nos paroxismos da dor. E este espetáculo não pode deixar de concitar à piedade e à prece os espíritos compassivos.
Mas por mais trágicas que sejam as contorções, por mais pavorosa que seja a intranqüilidade dantesca da desordem a que presenciamos, há um mal ainda maior: é a tranqüilidade da desordem.Realmente, se a moléstia é pior do que a saúde, a morte é pior do que a moléstia. Um mundo que se tranqüilize na desordem, do qual desapareça qualquer reação de vulto contra a desordem cristalizada em instituto de direito internacional, é um mundo mil vezes mais indigente, mais desamparado e mais infeliz do que aquele que ainda dispõe de heróis em que pode confiar, ainda conta com exércitos atrás dos quais se possa escudar, ainda vê luzir, com a esperança de uma próxima vitória do Bem, a possibilidade de uma ordem completa não tardar a reinar.
E por isso é que cometem um pavoroso atentado contra o senso católico aqueles que, desgovernados por uma sensibilidade mórbida, preferem a paz na abominação e na desordem, em vez de que venha logo a paz com ordem, que todos devemos pedir a Deus.
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Se a paz com justiça é um bem inestimável, a tranqüilidade decorrente da injustiça consumada, e que implique na cessação de qualquer resistência contra os fatores de desagregação da civilização católica, não pode deixar de constituir uma monstruosa catástrofe para o mundo contemporâneo, certamente comparável ao que foi, para a antigüidade romana, a queda do Império do Ocidente.
Consideremos o sentido corrente do vocábulo, que é ao mesmo tempo seu sentido mais restrito. Não pode haver justiça quando se nega aos povos fracos o direito de existir. Não pode haver justiça quando se afirma que a ordem internacional não deve ser baseada sobre o princípio de igualdade fundamental e natural de todos os povos, mas sobre uma hierarquia anti-científica de raças, que, baseada na apreciação de valores acidentais ou imaginários, deseja fazer com que o mundo inteiro viva para o uso e gozo de um ou de poucos povos, supostos privilegiados. Todos estes conceitos implicam em uma violação radical da verdade, e em uma subversão fundamental da justiça, de modo que a paz baseada sobre eles outra coisa não seria senão a apoteose da injustiça.Mas as injustiças que acabo de me referir não são as mais graves de que o homem é capaz. A violação dos direitos do próximo nunca poderia ser compreendida em toda a sua gravidade se não tivéssemos em mente que ela constitui ao mesmo tempo uma violação dos soberanos e adoráveis direitos de Deus. De todos os seres, nenhum há em relação ao qual o homem tenha direitos tão sagrados como Deus. A diferença entre os direitos de Deus e dos homens se pode medir pela diferença que vai do Criador à mísera criatura. E como a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, é o Reino de Deus na terra, é o Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo, é a depositária da Verdade, a Arca dos Sacramentos, inestimável obra-prima de Deus, não se pode ferir os direitos de Deus sem implicitamente ferir os da Igreja; e, por outro lado, não se pode ferir os da Igreja sem ferir os de Deus. Jesus Cristo e sua Igreja constituem o Esposo e a Esposa dos cânticos.
Seus direitos se confundem, e tentar separá-los já é violá-los.
Assim, se a paz só deve ser desejada pelos fiéis com a condição de que ela respeite os direitos dos homens, a fortiori deve ela parecer sumamente repugnante a qualquer coração verdadeiramente católico, se tiver por base o repúdio dos direitos de Deus.Tenho plena certeza de que muitos leitores, se bem que concordando em tese com o que acabo de dizer, sentem uma certa estranheza à vista da afirmação que faço. Direitos de Deus? Como poderia uma paz violá-los? Que relação pode haver entre uma coisa e outra?
O assunto é por demais complexo para ser debatido neste artigo.
Aliás, nem pode ele ser compreendido por quem não o analise com zelo. Todos sabem como o amor de Deus costuma multiplicar os recursos da inteligência e da vontade do homem, de sorte que eles se tornam aptos a compreenderem as coisas com uma clareza e com uma energia por vezes superiores a seus recursos naturais, desde que entre em jogo os sagrados direitos da Santa Igreja. É a estes espíritos que me dirijo.
Toda a vitória que represente não apenas o triunfo de um país mas de uma ideologia, não somente de um povo, mas de uma filosofia, evidentemente será uma derrota dos católicos, desde que essa ideologia teológica ou filosófica não seja a da Igreja. Assim, qualquer paz que signifique o franqueamento de todas as fronteiras à dissolução de doutrinas que são contrárias às de Jesus Cristo, será por certo uma paz que um católico não pode desejar.
Poderá alguém sorrir ao ler estas linhas. Qual o valor de nossa contribuição pessoal no curso dos acontecimentos ciclópicos, em que as forças mais poderosas se empenham em luta de morte? Para que, então, tratar deste assunto?
A resposta é simples. Não há acontecimentos em que não esteja presente a providência de Deus. Não há armas que possam vencer a omnipotência do Criador. E não há graças que a oração não possa alcançar. Em proveito dos supremos interesses de todos os católicos, que são os interesses da Igreja, em benefício dos interesses mais fundamentais e mais sagrados de nosso diletíssimo Brasil, ao par da mobilização de todos os recursos naturais, há sempre a mobilização possível dos recursos sobrenaturias, mais poderosos, mais decisivos, mais importantes do que aqueles.
Os estadistas de nossos dias confiam apenas nos braços que empunham fuzis. Longe de nós o imaginar que quem quer que seja esteja dispensado de empunhar o fuzil para cumprir seu dever para com a Igreja ou a Pátria. Mas há braços que, não podendo empunhar fuzis, podem empunhar certamente rosários, e os próprios braços que empunham fuzis sentirão, decuplicar suas forças se souberem alternar o manejo da arma e a do Terço.
Para rezar, somos todos poderosos. Rezemos muito, e sobretudo rezemos bem.
A Sagrada Liturgia tem uma oração que se pede a Nosso Senhor a graça de conhecermos Sua Vontade, de modo que, pedindo-Lhe coisas que Lhe são agradáveis, consigamos obter o que por nossas preces suplicamos.
Se queremos a paz, peçamos uma paz conforme o Coração de Jesus. Porque se pedirmos uma paz que não seja a paz com justiça, a paz de Cristo no Reino de Cristo, que esperanças podemos ter de ser atendidos? “
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